Após anos afirmando que o vinho tinto trazia benefícios para o coração, pesquisas finalmente apontam a verdade sobre essa bebida.
Após anos acreditando que o vinho tinto proporcionava uma “limpeza” no organismo, essa crença está caindo por terra.
A ideia se propagou principalmente nos anos 90, quando questões surgiram sobre a alimentação dos franceses. Afinal, eles consumiam uma quantidade considerável de alimentos ricos em gordura. Para acompanhar, os vinhos vermelhos eram ideais, e ajudavam a “controlar” as doenças cardíacas provenientes desses hábitos.
Na prática, o efeito do vinho tinto evitaria que as células formadoras de coágulos sanguíneos se aderissem às paredes das artérias. Isso, de acordo com um pesquisador francês destacado no segmento, poderia reduzir o risco de bloqueio e, consequentemente, de ataque cardíaco.
Naquela época, vários estudos corroboravam essa ideia, afirmou Tim Stockwell, epidemiologista do Instituto Canadense de Pesquisa sobre o Uso de Substâncias.
Os pesquisadores estavam descobrindo que a dieta mediterrânea, que tradicionalmente incluía um ou dois copos de vinho tinto nas refeições, era uma forma saudável de se alimentar, acrescentou.
Entendimento sobre saúde e álcool
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Na época, a perspectiva de que uma ou duas taças de vinho tinto pudessem ter benefícios para o coração era considerada ‘encantadora’ pelos pesquisadores, que compraram essa ideia.
Isso se encaixava no contexto mais amplo de evidências da década de 1990 que ligavam o consumo de álcool à saúde cardiovascular favorável.
Por exemplo, em um estudo de 1997 que acompanhou 490 mil adultos nos Estados Unidos por nove anos, os pesquisadores descobriram que aqueles que relataram consumir pelo menos uma bebida com índices de álcool por dia tinham de 30 a 40% menos chance de morrer com uma doença cardíaca.
Além disso, apresentavam cerca de 20% menos probabilidade de morrer por qualquer causa. No ano 2000, centenas de estudos chegaram a conclusões semelhantes.
Entretanto, alguns pesquisadores haviam levantado questões sobre esse tipo de estudo desde a década de 1980, questionando se o álcool era o responsável pelos benefícios observados.
Eles sugeriam que talvez as pessoas que bebiam moderadamente fossem mais saudáveis do que as não bebedoras devido a fatores como educação, status socioeconômico, atividade física e hábitos alimentares mais saudáveis.
Outros argumentavam que muitos dos ‘não bebedores’ nos estudos eram, na verdade, ex-bebedores que pararam devido a problemas de saúde.
Kaye Middleton Fillmore, pesquisadora da Universidade da Califórnia, São Francisco, estava entre os que pediam uma análise mais cuidadosa da pesquisa.
Novos estudos
Em 2001, Fillmore convenceu Stockwell e outros cientistas a colaborarem com ela para revisar os estudos anteriores e reanalisá-los de maneiras que pudessem mitigar alguns dos vieses identificados.
Ao final, a equipe fez uma descoberta surpreendente: em sua nova análise, os benefícios previamente associados ao consumo moderado de álcool desapareceram.
As descobertas, que saíram em 2006, viraram notícia por irem contra a sabedoria popular. Isso incomodou algumas pessoas da época, principalmente a indústria do álcool, que gostaria de manter essa imagem.
Por exemplo, organizadores do congresso publicaram simpósios afirmando que “o consenso do congresso” era que o consumo moderado de álcool estava associado a uma melhor saúde.
Desde então, muitos outros estudos, incluindo revisões de 2023, confirmaram que o álcool não é a bebida saudável para o coração que se acreditava ser.
Em 2022, pesquisadores relataram notícias ainda mais alarmantes: não apenas não há benefício cardiovascular em beber álcool, mas também pode aumentar o risco de problemas cardíacos, afirmou a médica Leslie Cho, cardiologista da Cleveland Clinic.
E o que ficou decidido?
Atualmente, um número crescente de pesquisas indica que mesmo uma dose de álcool por dia pode aumentar o risco de desenvolver condições como pressão alta e arritmia cardíaca, ambos os quais podem levar a AVC, insuficiência cardíaca ou outras complicações de saúde.
Além disso, a ligação entre o consumo de álcool e o câncer é clara, segundo a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 1988. Este é um conceito muito diferente do que os pacientes podem ter ouvido de seus médicos ao longo dos anos, admitiu Cho. No entanto, o consenso mudou.
Tanto a OMS quanto outras agências de saúde afirmam que não há quantidade segura de álcool, seja vinho, cerveja ou bebidas destiladas.
Não devemos beber vinho tinto?
Um estudo realizado em 2023, envolvendo quase 4 mil adultos nos EUA, revelou que apenas 20% estavam cientes de que o vinho poderia causar câncer, em comparação com 25% que sabiam que a cerveja poderia e 31% que estavam cientes de que as bebidas destiladas poderiam ter esse efeito.
Especialistas apontam que pacientes ficam surpresos ao ouvir recomendações na redução do consumo de álcool, incluindo o vinho.
Apesar de o vinho tinto conter compostos chamados polifenóis, alguns dos quais podem ter propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, médicos enfatizam que nenhum estudo, incluindo décadas de pesquisa sobre um polifenol chamado resveratrol, estabeleceu definitivamente uma ligação entre as quantidades obtidas do vinho tinto e uma boa saúde.
Além disso, não há evidências robustas de que o vinho seja menos prejudicial do que outros tipos de álcool.
No entanto, os pesquisadores não estão advogando pela proibição do álcool. Sua intenção é simplesmente informar sobre os riscos envolvidos.
De acordo com os estudos, para a maioria das pessoas, desfrutar de um copo de vinho de vez em quando é perfeitamente aceitável. No entanto, é importante reconhecer que isso não traz benefícios ao coração.
Fonte: O Globo
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