Existem espécies exóticas, como o lagostim-americano, o peixe lúcio, o sapo-cururu, a rã-touro-americana e o guaxinim, que costumam dominar as estatísticas e relatórios sobre o impacto dos animais invasores na extinção de espécies.

Mas poucos invasores causaram tantos prejuízos à biodiversidade quanto um dos mais encantadores mascotes domésticos: os gatos. Somente os lares domésticos espanhóis abrigam cerca de 4 milhões de gatos (um para cada 12 habitantes, em média). Destes, 120 mil acabam abandonados nas ruas todos os anos.

No Brasil, a proporção ainda é maior: um para cada sete habitantes, em média, ou 27,1 milhões, segundo o Censo Pet IPB de 2022.

Predador solitário e caçador implacável; ágil, rápido, voraz e com forte instinto territorial. O gato é um carnívoro cruel e indomável, mas também cativante. Ele é um exemplo de perfeição evolutiva. Todas essas características fazem dos gatos uma espécie extremamente relutante a ser domesticada, com forte tendência à liberdade e à desobediência.

Maior predador de vertebrados
Os gatos já extinguiram mais vertebrados do que qualquer outro predador.
Seu cosmopolitismo, sua eficiência como animal carnívoro e sua enorme capacidade de adaptação lhes permitiram colonizar todo o mundo, desde as ilhas subantárticas até as regiões quentes e secas, próximas aos trópicos.

E sua grande fecundidade os transforma em uma bomba demográfica muito difícil de ser desativada. A extinção mais rápida de uma espécie foi provocada por um gato. Tibbles era o mascote do faroleiro da ilha Stephen, uma pequena saliência rochosa entre as duas principais ilhas da Nova Zelândia. Ali vivia um estranho pássaro noturno não voador parecido com uma cotovia. O ornitólogo britânico Lionel Walter Rothschild (1868–1937) descreveu a ave em 1895 com o nome científico Xenicus lyalli — a cotovia-da-ilha-stephen. Milionário, Rothschild comprou todos os exemplares dissecados conhecidos e dedicou o nome da ave ao faroleiro da ilha, D. Lyall.

Ao todo, são conhecidos 13 espécimes — os mesmos que o gato Tibbles colocou aos pés do seu tutor. Apaixonado pela ornitologia, o faroleiro os dissecou antes de enviá-los a Rothschild. E, desde então, não foram encontrados novos espécimes. Tibbles se especializou na caça deste pássaro. Ele os descobriu e, sozinho, exterminou a espécie no frio inverno de 1895. Com isso, a cotovia-da-ilha-stephen e o dodô (Raphus cucullatus) passaram a dividir a honra indesejável de serem espécies extintas antes de serem descritas pela ciência.

Mais de 1 milhão de aves por ano
Cálculos muito conservadores levaram alguns autores a estimar que os gatos consomem mais de 1 milhão de aves por ano, em ilhas como as Kerguelen, nas terras austrais do extremo sul do Oceano Índico.

E se sabe que, em apenas 75 anos, os gatos fizeram desaparecer diversas espécies de répteis em ilhas pequenas como Santa Luzia, em Cabo Verde. Existe também o caso das ilhas Canárias, pertencentes à Espanha.

Estima-se que a chegada dos gatos ao arquipélago, 2 mil anos atrás, seja uma das causas do desaparecimento de algumas aves, de dois roedores gigantes e do lagarto-gigante-de-la-palma. Mesmo com sua pequena estatura e os inúmeros memes de gatinhos encantadores nas redes sociais, os gatos domésticos (Felis catus) são máquinas de matar, equipadas com garras retráteis, presas afiadas e visão noturna.

Esses potentes predadores podem ser tudo, menos melindrosos. Eles estão sempre à procura de presas para caçar ou carniça para remexer. E comem tudo o que houver disponível. Graças aos seres humanos, os gatos se espalharam por todo o mundo nos últimos milhares de anos. Esses ferozes felinos foram provavelmente domesticados há 10 mil anos no Oriente Médio.

Atualmente, eles vivem em todos os continentes, exceto na Antártida. Os gatos foram introduzidos em centenas de ilhas e se transformaram em uma das espécies mais amplamente distribuídas do planeta.

Dieta muito variada
O cosmopolitismo dos gatos fez com que eles alterassem muitos dos ecossistemas onde foram introduzidos. Os gatos transmitem novas doenças para muitas espécies, incluindo os seres humanos. Seus impactos ecológicos superam os causados pelos felinos nativos e outros predadores de porte médio.

Eles ameaçam a integridade genética dos felinos silvestres e se alimentam da fauna autóctone, tendo levado muitas espécies à extinção. Por tudo isso, os gatos criados em liberdade (ou seja, gatos domésticos ou silvestres com acesso ao seu entorno externo) formam uma das espécies invasoras mais problemáticas do mundo.

Uma meta-análise de 530 artigos, livros e relatos científicos publicados ao longo de mais de um século resultou no primeiro registro completo dos animais que costumam ser devorados pelos gatos domésticos. A lista das vítimas é longa: 2.084 espécies diferentes.

A maioria delas é composta por aves (981 espécies), seguidas por répteis (463), mamíferos (431), insetos (119), anfíbios (57) e outros grupos taxonômicos (33).
As presas mais comuns são os ratos, camundongos, pardais e coelhos, mas também há registros de gatos que caçam presas surpreendentes, como as tartarugas-das-galápagos, emas-australianas e até gado doméstico.

Algumas das criaturas mencionadas na lista — incluindo os seres humanos — são grandes demais para serem caçadas pelos gatos. Mas elas refletem as tendências necrófagas dos felinos. Quase 350 dessas espécies figuram em diversas listas vermelhas de espécies em risco de extinção. E várias delas já estão extintas.

Muitas são pequenas aves, mamíferos e répteis endêmicos de ilhas que não possuem predadores naturais como os felinos. Isso significa que as presas incautas não contam com reações defensivas. Onze das espécies registradas, incluindo o corvo-do-havaí (Corvus hawaiiensis), a codorniz-da-nova-zelândia (Coturnix novaezelandiae) e o rato-coelho-do-pé-branco (Conilurus albipes) da Austrália, são consideradas extintas.

Comedores de insetos
Os dados do artigo são conservadores. Os registros são uma representação das espécies que servem de alimento para os gatos, mas os felinos comem muito mais do que podemos identificar. Os insetos, por exemplo, representam apenas pouco menos de 6% das espécies devoradas pelos gatos.

Mas esse número provavelmente é subestimado, devido à dificuldade de identificação de restos de insetos no estômago e nos excrementos dos felinos, em comparação com penas ou ossos de vertebrados.

Além disso, o número de presas aumenta proporcionalmente à quantidade de publicações científicas. E, como a maioria das fontes utilizadas para a meta-análise provém da Austrália e da América do Norte, é provável que esse viés geográfico oculte a totalidade das espécies consumidas. Afinal, os animais nativos desses continentes dominaram o conjunto de dados.
Com toda certeza, pesquisas futuras irão ajudar a compreender o impacto dos gatos em outras regiões que possuem biodiversidade extraordinária, como a América do Sul, a Ásia e a África.

Serão então descobertas inúmeras criaturas em risco de extinção que acabam indo parar na caixinha de areia dos gatos. Mas a verdade é que colocar a culpa nos felinos acaba criando um bode expiatório para um problema muito maior, que envolve o nosso próprio compromisso ecológico.

Se nós, seres humanos, não conseguimos mudar nosso comportamento para proteger a biodiversidade, por que deveríamos esperar essa mesma consciência dos gatos?
*Manuel Peinado Lorca é catedrático emérito e diretor do Real Jardim Botânico da Universidade de Alcalá, na Espanha.

Artigo publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation.