Os dias que antecedem a Semana Santa são uma espécie de Natal para empórios —em nenhuma outra época do ano, as pessoas compram tanto bacalhau quanto agora. Quem já foi às compras neste ano encontrou preços tão salgados quanto o próprio bacalhau. O quilo do lombo do Gadus morhua, que é o corte mais nobre da espécie mais valorizada, chega a passar dos R$ 300 em alguns endereços de São Paulo.

Também chama a atenção a forma confusa como o bacalhau tem sido oferecido ao consumidor. Misturam-se nomes científicos, países de origem e nomes dos cortes, uma barafunda que acaba só atrapalhando na hora da compra.

Para começar, a classificação Bacalhau do Porto ficou no passado. “O bacalhau que vinha para o Brasil saía da cidade do Porto, em Portugal, e Porto passou a ser o nome usado para designar um bom bacalhau”, diz Heloísa Bacellar, autora do livro “Bacalhau – Receitas e Histórias das Águas Geladas às Caçarolas”.

Hoje, o que determina a qualidade do peixe salgado é o nome científico da espécie. A legislação brasileira só considera duas: Gadus morhua, pescado no norte do Atlântico, mais especificamente na Noruega, e Gadus macrocephalus, do norte do Pacífico.

Ambos têm carne clara, cor de palha, e se separam em lascas definidas depois de cozidos. Mas só o Gadus morhua dá origem aos cortes altos que os chefs apelidaram de lombo.

A Noruega exporta outras três espécies de peixes salgados para o Brasil: saithe, zarbo e ling. São da mesma família do Gadus morhua e passam por processo idêntico de salga. Até 2019, podiam ser comercializadas como “tipo bacalhau”, norma que já caducou —atualmente, a lei determina que o nome correto da espécie seja informado na embalagem.

Apesar de algumas diferenças —carne mais firme e não tão clara—, essas alternativas podem custar até 50% menos do que o Gadus morhua. Bacellar sugere o saithe e o zarbo para preparos nos quais o peixe entra desfiado ou em pedacinhos, como bolinho ou bacalhau à Brás. “O ling separa em lascas macias e não faz feio nos pratos de forno, panela ou frigideira”, afirma.

Seja qual for a espécie, quem compra peixe salgado precisa se planejar —o processo de dessalga não admite pressa. Depois de lavado na água corrente, o peixe deve ser posto de molho em água gelada, com a pele para cima, para que o sal possa se depositar no fundo da vasilha. O tempo depende do tamanho da peça. Não se recomenda remover pele e espinhas antes da dessalga, pois concentram o colágeno que deixa o peixe gostoso.

“Só removemos a pele na fase final do preparo das receitas, para manter o sabor do bacalhau”, diz Patrícia Sampaio Bettencourt, chef do restaurante A Bela Sintra, em São Paulo.

Bacalhau que se compra dessalgado é prático, mas rende menos —ao ser hidratado, o peixe praticamente cresce até 40%. Ou seja, quem leva um quilo de bacalhau salgado para casa vai obter 1,4 quilo de peixe dessalgado. Importante levar isso em conta na comparação de preços. O tamanho da peça é o que determina tempo da dessalga.

O Conselho Norueguês da Pesca recomenda que uma peça de bacalhau desfiado, por exemplo, leve seis horas de dessalga (com uma troca de água de três em três horas). Já o processo de um lombo demora 72 horas, trocando a água de oito em oito horas.

MUITO MAIS EM CONTA, PEIXES FRESCOS PODEM SER SALGADOS EM CASA
Enquanto o bacalhau reina no menu do domingo de Páscoa, peixes frescos seguem como os preferidos para o almoço da Sexta-Feira Santa. Como de praxe, os preços vão subindo gradativamente ao longo da semana e atingem o pico na quinta.

Segundo Thiago de Oliveira, chefe da seção de economia do Ceagesp, entreposto na região oeste que abastece boa parte das peixarias e feiras paulistanas, os preços já estão de 8% a 10% mais caros do que os praticados em fevereiro. Os que mais sobem são os pescados considerados nobres —robalo, linguado, badejo e tilápia, peixe de água doce criado em cativeiro.

Imagem: Bacalhau feito com peixe do dia do Churrascada no Mar, em Pinheiros/Divulgação

Dá até para recorrer a esses peixes locais e disfarçá-los de bacalhau. Chef do Churrascada do Mar, em Pinheiros, Dário Costa tem no menu um prato batizado de nosso bacalhau. A posta alta e dourada vai à mesa à moda portuguesa, com batatas, brócolis, ovos cozidos, cenouras e alho frito. Só que o peixe é paulista, o mais fresco do dia, que o chef seca e salga na própria cozinha. “A abrotéa e o dourado são ótimos para salgar, porque dão postas altas e têm muito colágeno, como o bacalhau. Quanto mais alto e gordo, melhor.”

Receita de peixe do dia salgado:

Ingredientes
1 kg de peixe da época, inteiro e espalmado, sem a espinha central
500 g de sal
500 g de açúcar
3 g de sal de cura

Preparo
Misture o sal, o açúcar e o sal de cura e aplique sobre os dois lados do peixe, até cobri-lo
Deixe curar por 3 dias fora da geladeira, coberto com um pano limpo.
Lave o excesso de sal, faça a dessalga conforme as regras adotadas com o bacalhau e prepare sua receita favorita.

Receita de Bacalhau à brás brasileirinho

Ingredientes
(4 porções)
600 g de mandioquinha ou batata
900 ml de óleo vegetal para fritar
1 fio de azeite de oliva
1 cebola grande em fatias finas
2 dentes de alho picadinhos
800 g de bacalhau dessalgado em lascas, sem pele nem espinhas
8 ovos ligeira-mente batidos
Sal a gosto
Pimenta-do-reino a gosto
½ xícara de azeitonas verdes em lascas
6 colheres (sopa) de salsinha bem picadinha

Preparo
Descasque e rale a mandioquinha, coloque numa tigela com água e lave bem
Escorra, seque e frite aos poucos, em óleo quente. Reserve.
Aqueça um fio de azeite e refogue a cebola. Quando começar a dourar, acrescente o alho. Assim que soltar perfume, junte o bacalhau e mexa até que as lascas mudem de cor e de textura.
Junte os ovos e misture com cuidado. Deixe no fogo por mais 1 minuto, até o ovo começar a firmar.
Ajuste o sal e a pimenta, regue com mais azeite, misture a azeitona, a salsinha, a mandioquinha e sirva.