O som alto e a sala espelhada e repleta de aparelhos de musculação de última geração são marcas registradas das academias da região nobre das grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, algumas com mensalidades que ultrapassam os 500 reais. Nesses locais, rapazes musculosos e moças bem magras, muitos ainda adolescentes, circulam em roupas de ginástica de marcas esportivas renomadas, enquanto rodiziam os aparelhos. É comum vê-los com garrafas de plástico contendo suplementos alimentares, que são sorvidos aos goles entre uma série e outra de exercício.

Se você já frequentou academias, eventualmente já ouviu alunos e funcionários conversando sobre a ampla variedade de produtos que prometem auxiliar na perda de peso, no aumento da musculatura e na melhora da estética corporal e do rendimento físico. No entanto, é pouco provável que você tenha escutado falar sobre os possíveis efeitos adversos que o uso da suplementação sem indicação pode trazer, em especial para o fígado.

Suplementos alimenares não seguem a mesma regulação dos medicamentos
Suplementos alimentares, também conhecidos como suplementos dietéticos, são produtos que fornecem doses de vitaminas, minerais e outras substâncias com o intuito de complementar uma alimentação deficitária, ou seja, que por alguma razão não esteja sendo suficiente para fornecer nutrientes como proteínas e aminoácidos, necessários para o bom funcionamento do organismo. Têm indicação bastante específica, como para indivíduos que sofrem de carência de algum nutriente (pessoas com anemia ferropriva, por exemplo) ou para atletas de alto rendimento, e só podem ser indicados por nutricionistas.

Já os suplementos herbais são feitos à base de ervas como Aloe vera, chá verde e confrey e sua eficácia é contestada pela medicina baseada em evidências, que segue o método científico. São vendidos em cápsulas ou pó ou manipulados em farmácias de manipulação.

Não é raro encontrar profissionais de saúde não qualificados e treinadores que indiquem suplementos alimentares, incluindo os à base de ervas e as chamadas megavitaminas, mesmo para indivíduos que não apresentem nenhuma carência e que tenham uma alimentação balanceada.

A busca pelo corpo perfeito e saudável estimulou um mercado altamente lucrativo. Segundo a Associação Brasileira dos Fabricantes de Suplementos Nutricionais e Alimentos para Fins Especiais (Brasnutri), entre 2010 e 2016 o faturamento do mercado de suplementação passou de R$ 637 milhões para R$ 1,49 bilhão, o que torna o Brasil o terceiro maior mercado de suplementos alimentares do mundo, depois dos Estados Unidos e da Austrália.

Segundo o professor associado e livre-docente de hepatologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e chefe do serviço de hepatologia do hospital dessa faculdade, dr. Raymundo Paraná, as informações a respeito dos suplementos alimentares são contaminadas pelo interesse comercial. Muitos profissionais omitem dos pacientes que não há respaldo científico para a indicação desses produtos e que eles podem causar lesões em órgãos como rins e fígado. “Esses produtos não precisam seguir a mesma legislação que a aplicada aos medicamentos, portanto, a lei que os regulamenta não exige que eles sejam submetidos a estudos de fase 3, que atestam a eficácia e a segurança dos remédios vendidos em farmácias”, explica o Dr. Paraná.

De fato, quem regulamenta a venda desses produtos comerciais no Brasil é a Agência de Vigilância Sanitária, a Anvisa, que aplica uma legislação diferente para suplementos e medicamentos. Para a nutricionista Marcia Daskal, fundadora da Recomendo Nutrição e Qualidade de Vida, que estudou em seu mestrado o uso de suplementação em academias, a legislação brasileira é mais rígida que a americana: “Nos EUA, o FDA, órgão que regula alimentos e medicamentos, não regula os suplementos, deixando o fabricante livre para colocar o que quiser no rótulo. Por isso não recomendamos o uso de suplementos importados”.

Dr. Paraná diz já ter encontrado produtos vendidos comercialmente que continham esteroides anabolizantes, drogas com hormônios que podem causar efeitos colaterais graves, como elevação do colesterol e toxicidade hepática, e cuja venda é controlada, embora não houvesse menção à substância no rótulo.

Suplementos como chá de picão-preto e Aloe Vera podem provocar hepatite
O professor de educação física e dono de uma academia de ginástica em Salvador (BA), Wallace Saldanha, de 27 anos, fez uso de um conhecido suplemento à base de proteína e de chá de picão-preto (Bidens pilosa), que supostamente teria efeito antioxidante e diurético. Após alguns meses, começou a se sentir cansado e sonolento, mas só procurou o hospital quando apresentou uma coloração amarelada na pele (icterícia) e alteração na cor da urina. “Fiquei 18 dias internado sem descobrirem o que eu tinha. Só depois desse tempo souberam que eu tinha hepatite tóxica aguda por causa dos suplementos que tomava”, conta Saldanha.

“Há muitas ervas e produtos tidos como naturais que são tóxicos para o fígado, mas as pessoas acham que, porque são naturais, não causam mal, e demoram para contar que estão consumindo esses produtos. Assim, os médicos levam mais tempo para chegar ao diagnóstico correto”, revela o dr. Paraná.

Determinados medicamentos, como antibióticos e anti-inflamatórios, e certos agentes não farmacológicos podem causar lesões no fígado. Os sintomas podem ser inexistentes ou semelhantes aos das hepatites virais:
Icterícia; (é uma coloração amarela da pele e/ou olhos, causada por um aumento da bilirrubina na corrente sanguínea.)
Náusea;
Vômitos;
Urina escura;
Mudança na cor das fezes;
Fadiga;
Coceira na pele.

O estudante de farmácia Yuri Rocha David, de 38 anos e morador de Salvador, também teve problemas no fígado causados pelo consumo de medicamentos associados ao uso de Aloe Vera, conhecida como babosa e usada, entre outras funções, como anti-inflamatório e cicatrizante. Foi parar no hospital cujo serviço de hepatologia é chefiado pelo dr. Paraná. “Muitas pessoas tomam medicamentos e acham que se associarem uma erva natural ao tratamento medicamentoso não terão problemas. Só que muitas ervas interagem com medicamentos, reduzindo seu efeito ou sobrecarregando o fígado”, explica o médico.

Quando suplementos alimentares são indicados
Para Marcia Daskal, as pessoas tendem a acreditar que não conseguirão atingir seus objetivos sem ajuda. “Elas pensam que sem os suplementos alimentares não conseguirão chegar ao corpo que desejam, esperam um milagre, não percebem que nem tudo que é natural é seguro e que modismos são perigosos. A suplementação só deve ser feita com indicação.”

A melhor forma de obter os nutrientes de que precisamos é por meio de uma alimentação natural. Quem come alimentos saudáveis e tem uma alimentação balanceada dificilmente precisará de suplementação. Caso precise de orientação para se alimentar de forma adequada, a pessoa deve procurar um nutricionista qualificado, que privilegie alimentos naturais como fonte de nutrientes.

A seleção natural privilegiou indivíduos que têm capacidade de absorver os nutrientes de um cardápio onívoro, ou seja, que contenha tanto alimentos de origem vegetal como animal. Os suplementos alimentares não cabem na fisiologia humana e só devem ser usados em caso de carência de nutrientes, de preferência por tempo limitado. “Se você não tem nenhum problema de saúde e sai de um nutricionista com uma lata ou cápsula, desconfie”, aconselha o dr. Paraná. Além de poupar a saúde, esse pode ser um ótimo modo de não jogar dinheiro fora.

Fonte: DV / Foto: Reprodução Internet