Dizem que nunca mais seremos os mesmos depois que passar a pandemia do coronavírus. No entanto, é provável que nós nunca mais fôssemos os mesmos de qualquer maneira, com ou sem a existência desta terrível doença. Pelo menos se lembrarmos das ideias de Heráclito, para quem “o homem nunca se banha duas vezes no mesmo rio”, o indivíduo está em constante estado de transformação, por mais que vivamos subjugados pela incômoda sensação da imutabilidade dos dias.
A verdade é que o coronavírus nos obrigou a uma severa mudança de hábitos, como, por exemplo, o distanciamento social e a involuntária reclusão em nossas casas. A balada, o show de rock, o cinema e espetáculos em geral foram banidos como forma de evitar aglomerações. De um dia para o outro, o futebol desapareceu dos noticiários, deixando inconsoláveis milhões de fãs do popular esporte ao redor do mundo. Como forma de serenar os ânimos, alguns canais de televisão recorreram ao expediente de exibir reprises de grandes partidas de futebol ocorridas no passado.
A questão que fica é a seguinte: por que só agora tomar esta atitude? Não seriam os grandes jogos do passado monumentos dignos de serem constantemente vistos e revistos, assim como o são obras de arte expostas em um museu? A reprise dos jogos antigos mostra como a História, quer seja ela esportiva, cultural ou artística, é algo importante. Na hora em que reina o pânico e a calamidade pública, as doces e intocáveis memórias do passado surgem como um lenitivo e uma forma de devolver a calma e a lucidez às pessoas.
Houve um tempo em que assistíamos às imagens do Canal 100 no cinema, o Maracanã em preto e branco ou a cores, as peripécias de Garrincha, Tostão e Rivelino projetadas na tela grande como um aperitivo estarrecedor enquanto aguardávamos o início do filme na escuridão. No âmbito televisivo, tivemos programas como “Grandes Momentos do Esporte”, concebido pelo jornalista Michel Laurence e exibido na TV Cultura entre os anos de 1984 e 2012; lembro ainda de assistir ao “Gol: o Grande Momento do Futebol”, conduzido por Alexandre Santos e, mais tarde, por Milton Neves na TV Bandeirantes. Eram programas que tinham a virtude de promover o resgate de certos personagens e efemérides esportivas, impedindo que os mesmos caíssem no esquecimento.
Hoje em dia, as gerações de jovens que vivem à mercê das plataformas estéreis das redes sociais parecem imunes a qualquer tipo de romantismo ou curiosidade. Pelo contrário, o que se vê amiúde é um completo desprezo, escárnio, e até mesmo uma certa beligerância em relação aos craques do passado. O desdém geralmente dirigido a qualquer pessoa velha se aplica também aos monstros sagrados dos relvados de outrora.
Não se pretende, contudo, que as gerações de hoje transfiram a idolatria dos seus Messis, Cristianos e Neymares aos veteranos de batalhas esmaecidas pelo tempo. O que se espera é que haja, pelo menos, uma dose de respeito e admiração pelos ases de antigamente. Afinal, se não fosse por eles e as imagens conservadas por algum zeloso arquivista, hoje estaríamos totalmente órfãos do nosso esporte favorito, condenados a viver enclausurados e sem emoção, longe do infatigável rio da saudade que corre sem parar. Um rio misterioso e natural, no qual jamais entraremos duas vezes.