Agachado junto à linha lateral do gramado, o olhar sério e compenetrado, a calva que se anuncia entre melenas longas, onduladas e negras. A indumentária não é o terno e gravata cultivado pelo elegante homem portenho, apropriado também para aquela função, mas um confortável abrigo esportivo. Vendo através dessa ótica, alguém poderia perguntar quem seria, afinal, aquele indivíduo que agora comandava a seleção argentina de futebol?
Estamos nos albores do século XXI, e Marcelo Bielsa começava a chamar a atenção do mundo futebolístico. Em sua terra natal, contudo, esse estranho personagem já era possuidor de fama, tendo conduzido o Newell’s Old Boys a duas conquistas relevantes dentro do campeonato nacional no princípio dos anos 1990.
A excelente campanha de Bielsa à frente da seleção argentina nas eliminatórias para a Copa do Mundo da Coréia e Japão apenas reforçou a curiosidade geral sobre ele. Entretanto, o vulto misterioso acabou fracassando de modo retumbante no mundial asiático. A esperança do título que não vinha desde 1986 se transformou em decepção, gerando sérias contestações ao trabalho do técnico natural de Rosario. Redações de periódicos produziram freneticamente sobre o tema, e o jornalista Ariel Senosiain assinou a biografia de Bielsa, intitulada “Lo suficientemente loco”.
Difícil saber se Bielsa era ou é suficientemente louco ou não. O fato é que estamos falando de um tipo obstinado e destemido, que gosta de deixar seus jogadores livres para o improviso. Para ele, “los equipos totalmente mecanizados no sirven, ya que los sacás del libreto y se pierden”. De qualquer maneira, Bielsa perseverou em sua carreira, e, após os eventos ocorridos no âmbito da seleção argentina, descortinou o seu jeito esquisito à frente da seleção chilena e em clubes da Espanha, França e Itália.
Até que, em 2018, Bielsa chegou ao Leeds da Inglaterra. Mais uma vez, aquele espírito indecifrável, influenciado por figuras tão díspares como Gandhi, Che Guevara e Jorge Griffa – mentor de Bielsa desde os tempos de Rosario e Newell’s Old Boys – tornou-se vítima de um paradoxo: a sua natureza reservada acabou atraindo olhares e comentários.
Olhares que se tornaram ainda mais intensos após Bielsa conduzir o Leeds de volta à primeira divisão inglesa, pondo fim a uma espera de 16 anos. O “fair play” de Bielsa, que inclusive ordenou que seus jogadores concedessem um gol ao Aston Villa após o Leeds ter marcado enquanto um atleta rival estava fora de ação, provavelmente teria escandalizado a torcida do clube do norte da Inglaterra alguns anos atrás.
Quando, em 1961, o técnico Don Revie assumiu o comando do time, o Leeds se tornou uma espécie de “clube do jogo sujo”, sendo suas táticas de intimidação física temidas pelos adversários. É bom lembrar, contudo, que naquela época a violência era um ingrediente natural dentro do futebol inglês, e entradas ríspidas não eram necessariamente sinônimo de entradas desleais. O fato é que sob a batuta de Don Revie o Leeds viveu sua época dourada, obtendo dois campeonatos ingleses, cinco vices campeonatos ingleses e uma FA Cup.
Um dos baluartes do time e pupilo de Revie dentro de campo era o zagueiro Jack Charlton. Quando, mais tarde, Jack pendurou as chuteiras e seguiu a carreira de técnico, muito do seu comportamento excêntrico acabou aflorando em sua “metodologia” de trabalho. Assim como Bielsa, Jack era um admirador da vida campestre; ao contrário de Bielsa, Jack tinha hábitos pouco edificantes, sendo a caça um deles.
Desse modo, o estranho chefe costumava levar os calouros dos times treinados por ele, como Middlesbrough e Sheffield Wednesday, para caminhadas no campo. O que parecia ser um exercício saudável escondia um propósito pouco ortodoxo em seu bojo. Na verdade, a função dos calouros seria procurar e espantar perdizes escondidas nos arbustos, para que Jack pudesse abater as aves com sua espingarda.
Tímidos ou truculentos, geniais ou medíocres, vencedores ou perdedores. No mundo bizarro do futebol até os loucos podem mandar. E, embora sua liderança seja feita de qualidades alheias ao puro e simples uso do poder, a sua lembrança costuma ser perene, inspirando gerações através dos tempos.