Não precisa ser um especialista em marketing para entender a dimensão do alcance que a cantora Iza, 30 anos,representou num ano tão difícil para todos nós – inclusive para ela. A Mulher do Ano da GQ Brasil acumulou elogios e reconhecimento através do seu trabalho, beleza, simpatia e postura diante de muitas questões – sobretudo as sociais. Através da sua voz marcante e afinada, permeiam palavras amistosas, entre críticas construtivas e muito incentivo para os mais de 4,18 milhões de ouvintes mensais somente no Spotify.
Considerada pelas Nações Unidas como uma das afrodescendentes mais influentes do planeta, em 2020, Iza representa a diversidade, o talento e a elegância que o Brasil e o mundo precisam. Apontada por artistas, críticos e fãs como um dos símbolos da valorização da cultura e da estética negra, ela conta que foi pega de surpresa: “Foi um susto. Eu não estava esperando mesmo e, de repente, brotou a notícia. Saber que isso é algo de reconhecimento mundial… Nossa, me deixa muito feliz. É um prêmio, um selo de qualidade na carreira de qualquer artista”.
Depois de um 2019 muito intenso, ela sentiu que precisava desacelerar. Tudo isso seria depois do Carnaval, em virtude de um motivo mágico e inusitado, que foi a sua estreia como Rainha de Bateria da Imperatriz Leopoldinense. Localizada em Ramos, a escola é uma das mais tradicionais do Rio e fica em um bairro vizinho onde Iza cresceu – o que tornou a experiência mais do que marcante. Exibindo muito samba no pé, a carioca encantou a todos: “Era a primeira vez que desfilava do chão e como rainha de bateria. Era uma grande responsabilidade. Eu sou cria de Olaria, então vir na frente dessa escola, que faz parte da minha vida, da minha história e de tudo, foi muito louco”.
Mesmo empolgada com o trabalho, a ideia era de resetar e descansar. E, de forma despretensiosa, esse foi o seu planejamento para o inesperado 2020: parar por alguns meses e recarregar a bateria. “No fim do ano passado decidi que em abril, maio e junho eu ia parar para descansar. Então, já entrei em 2020 com isso em mente. Eu vinha de uma pegada muito intensa, o meu corpo estava pedindo para parar.” E aí veio a pandemia.
Surpresa com o prêmio de Mulher do Ano, ela fica muito feliz e emocionada, mas ao mesmo tempo confusa, porque foi um ano de muita adaptação e menos produtividade: “Eu fico feliz em receber esse reconhecimento da GQ. As coisas que aconteceram agora no fim do ano me deixaram meio confusa. Quando recebi essa notícia, pensei: ‘Mas, gente, eu?’. E preciso muito compartilhar isso, porque talvez algumas pessoas sintam a mesma coisa: eu não achei que fui bem em 2020. Eu tinha planos, ia lançar álbum! Mas eu me preocupo muito em respeitar minha saúde mental e acho que não faz sentido só fazer o que as pessoas estão esperando. Acredito que essa mudança de planos mexeu muito comigo – no sentido de orgulho, da minha produtividade e ansiedade. Foi bom porque eu consegui desacelerar e aprender com meus limites”.
Casada desde dezembro de 2018, ela conta, com sorriso no rosto, como foi especial a oportunidade de passar um momento a sós com o marido e desfrutar da vida de casada que nunca tinha vivido. “Foi maravilhoso. Eu consegui confirmar que ele é realmente o homem da minha vida, a gente só se deu melhor”, revela satisfeita.
“Sabíamos que era um momento muito grave, mas achamos que seria um mês, um mês e meio… e passaria rapidinho. No primeiro eu estava muito ansiosa porque não sabia com o que estávamos lidando e não tinha ideia do que causaria esse vírus. Chegou uma hora que eu comecei a ficar muito pra baixo.” Nessa pandemia, Iza perdeu dois familiares para a covid-19, além de ficar quatro meses sem ver sua mãe. Uma fase difícil e angustiante.
Com a flexibilização, ela voltou aos poucos à rotina, ou melhor, reergueu o seu castelo – em alusão à música que a fez estourar em todo o país, o single Pesadão. Cantou com o consagrado e querido Gilberto Gil numa das lives mais bonitas dessa quarentena, deu seguimento como jurada no The Voice, na sua segunda temporada: “2020 foi um ano de muito aprendizado pra mim e eu com certeza vou levar isso pra 2021 e pra minha vida”.
Seguida por mais de 13,6 milhões de pessoas no Instagram e mais de 3,1 milhões no Twitter, ela aproveita muito bem a sua posição de influência para se posicionar e contribuir com pautas sociais como empoderamento feminino, meio ambiente, a posição de refugiados e, recentemente, o apagão no Amapá.
Também seguiu como voz ativa em um dos assuntos mais marcantes de 2020: o racismo e a invisibilidade das pessoas negras no Brasil e no mundo. Essa ausência de representatividade é algo que sempre causou incômodo, conta: “É sem tamanho pensar que eu não me sentia representada, que a vida deu uma virada e que agora sou representatividade para algumas pessoas, isso é muito louco. Eu me sinto muito abençoada, de verdade, por poder fazer o que eu faço e o que faço ainda ter esse peso. Sou a primeira mina negra no The voice, no Música Boa, no Prêmio Multishow apresentando… E eu sei que não vou ser a única, se Deus quiser”.
Vascaína e criada em Olaria, no subúrbio do Rio de Janeiro, Isabela Cristina Correia de Lima Lima (seus pais são primos de 2º grau, por isso o Lima duas vezes) começou a soltar a voz na igreja ainda na infância. Sem muitas perspectivas para uma trajetória musical, ela iniciou na área da publicidade. Para a felicidade de todos, não durou muito tempo. A filha de dona Isabel seguiu os conselhos de amigos do trabalho – que apreciavam o dom da carioca durante o Happy Hour semanal da agência – e passou a investir na carreira. Embora pequeno, o investimento começou através de um canal no YouTube, que hoje conta com mais de 3,74 milhões de inscritos e ainda exibe os primeiros covers da cantora gravados há seis anos.
A TV amadureceu bastante seu lado profissional em 2020 e, segundo ela, também surtiu efeitos no lado pessoal: “No Música Boa, eu era uma host, apresentando os artistas e cantando. Foi, sem dúvidas, uma escola muito importante pra mim. Mas o The Voice… Ah, tem uma parada de você ser você mesma, sabe? Eles pegam as suas reações, as suas risadas, e isso me fez amadurecer. Saber que teve a maior audiência do público e ver as pessoas comentando foi uma validação para as minhas inseguranças. Acho que fiquei tranquila ao mostrar quem eu sou. O The Voice me ajudou muito como pessoa”.
Presença importante no cenário cultural brasileiro, ela seguiu atraindo todos com seu talento. Neste ano, Iza foi destaque para grandes marcas motivadas pelo seu profissionalismo, visibilidade, admiração de variados públicos e seu papel no empoderamento da mulher negra. E esse conceito de inclusão, que vem sendo adotado pelas empresas, tem grande impacto social: “As pessoas querem se ver. E eu acho que os meios de comunicação e as marcas estão entendendo isso. Ainda que não legitimamente todas elas (porque vai ter alguma que vai aproveitar a onda ou o momento), eu sempre vou achar isso positivo. E que venham muitas outras”, diz ela com suas box braids, presas num coque – uma das marcas registradas do estilo da cantora.
Ainda sem previsão para o novo álbum ou EP, ela adianta aos fãs que tem muitas músicas para lançar. E deixou claro que gosta de todos os estilos: “Eu amo reggae. E vocês vão ver isso em muitos trabalhos meus. A galera vai me ver cantando várias coisas diferentes e eu tenho certeza de que meus fãs vão gostar do que está por vir. A gente tem uma relação muito legal. Eles já entendem a minha cabecinha”.
Conversar com a Iza, mesmo que remotamente, é uma experiência muito boa, muito leve. Não só porque estudamos na mesma escola, moramos em bairros vizinhos e tivemos experiências semelhantes – tudo isso sem se conhecer até então. Mas porque ela é gigante, e eu não falo só pelos 1,76 de altura. Ela impacta por onde passa, com uma simplicidade e uma beleza cativantes. Com toda certeza, 2020 foi um ano estranho, um ano cinza. Mas ninguém melhor que ela para colorir a vida de muitas pessoas que foram impactadas pela pandemia, com a leveza da sua mensagem através da música. As meninas merecem cada vez mais se verem nos lugares, e a importância da Iza é a confirmação de que estamos no caminho certo.
Fonte: Globo / Foto: Reprodução Internet