Não é segredo que fumar é um hábito nada saudável, com consequências danosas no longo prazo, mas – no atual contexto de pandemia de coronavírus – os efeitos nocivos relacionados ao cigarro podem representar uma ameaça mais palpável no presente.

Já é sabido que fumantes compõem o grupo de risco para a covid-19, podendo desenvolver sintomas mais graves da doença. Isso se dá porque fumar enfraquece o sistema imunológico, tornando-o menos capaz de responder a infecções. Além disso, esse grupo tende a ter um comprometimento da capacidade pulmonar.

Essa informação sobre o risco iminente está servindo de motivação extra para muitos fumantes que já pensaram ou tentaram anteriormente largar o cigarro. A atriz Juliana Paes, por exemplo, é uma das figuras públicas que revelou a decisão de parar de fumar neste momento de pandemia. Ela tem 41 anos e sofre de asma. Porém, a pergunta que fica é: como deixar de fumar quando o mundo está retirado em quarentena e a ansiedade só aumenta?

Conversamos com a psicóloga Priscila Dib Gonçalves, supervisora e pesquisadora no Programa de Estudos de Álcool e Drogas do IPq – Instituto de Psiquiatria da USP, para entender se é possível largar o cigarro neste momento.

De acordo com ela, é muito comum os fumantes estabelecerem algumas correlações e associarem o cigarro a momentos de prazer e alívio da ansiedade, quando a verdade não é bem essa.

“O que a gente observa é que quando a pessoa vai fumar ela já está apresentando abstinência da nicotina. E essa abstinência, ainda que em poucas horas, pode causar uma irritabilidade e um pouco de ansiedade. Então, às vezes, quando as pessoas fumam, elas não têm mais esses sintomas de abstinência e, aí, ela interpreta isso como o cigarro sendo o causador da redução da ansiedade, mas o fumar, em si, não está associado à melhora de ansiedade, depressão ou estresse. O que acontece normalmente é essa relação de aliviar algum sintoma de abstinência”, explica.

Para a psicóloga, o atual momento – em que as pessoas já estão experimentando alterações na rotina – pode ser uma janela de oportunidade para uma mudança em prol da saúde. Mas, segundo ela, a primeira coisa que as pessoas precisam é buscar razões em termos individuais e lembrar das motivações, além da pandemia. “É importante pensar sobre os prós e contras em relação aos sentimentos e pensamentos associados ao uso de tabaco. Às vezes, o pró é que a pessoa se sente mais relaxada e o contra é que ela não gosta do cheiro, que ela tem medo de ser infectada, brigas familiares”, exemplifica.

Identificando gatilhos
São muitos os gatilhos que trazem à tona a vontade de fumar. Tem pessoas que pensam no cigarro logo após o almoço, por exemplo. Outras quando estão com dificuldades de concentração ou quando estão estressadas. Saber identificar horários e hábitos que “chamam” o cigarro pode ajudar a ultrapassar essas dificuldades.

Alguns fumantes, que sentem vontade de acender o cigarro após o almoço, adotam a estratégia de escovar os dentes logo após terminar a refeição. Outras táticas, comumente compartilhadas nas redes sociais por fumantes e ex-fumantes, incluem aumentar a ingestão de água, chupar gelo ou cubos de frutas congeladas, quando a vontade aparece. Isso pode ajudar a manter a boca ocupada e a superar o pico de fissura pelo cigarro, que dura – em média – de 2 a 5 minutos.

Preenchendo o tempo
Para algumas pessoas um dos gatilhos para o uso do tabaco é o tédio. Por isso, é muito importante preencher os dias de isolamento social com atividades, conforme lembra a psicóloga do Instituto de Psiquiatria da USP. “Ficar em casa, sem nenhuma atividade, pode ser algo que desencadeie mais o uso do tabaco, lembrando que a nicotina vai atuar no nosso cérebro, ela age com o sistema de recompensa, está associada a sensações mais prazerosas e pode ser que aumente o consumo, caso a pessoa não tenha uma rotina estruturada”, ressalta.

Para esse problema, uma combinação de exercícios físicos, meditação, cursos online, encontros virtuais com a família e amigos pode ajudar. No entanto, em muitos casos, isso só não basta. Alguns fumantes precisarão da ajuda de medicamentos, reposição de nicotina e orientação profissional para conseguir driblar o vício.

“É importante aqueles que já tentaram parar de fumar antes pensar sobre o que funcionou o que não funcionou, quais os profissionais de saúde que essa pessoa acessou quando tentou parar de fumar”, lembra Priscila.

“A gente sabe que é relativamente comum as pessoas terem várias tentativas antes de terem sucesso com a cessação do tabagismo e quando essa pessoa tem acompanhamento farmacológico e/ou psicológico, ela tende a ter maior sucesso, tanto nas intervenções psicológicas individuais, quanto em grupo”, diz a psicóloga, que também lembra que os aplicativos podem ser um bom recurso para pessoas que não tiverem acesso a um profissional de saúde no momento.

Outras dicas
O Instituto Nacional de Câncer (Inca) reforça que nunca é tarde para largar o cigarro, mesmo que o fumante já esteja com alguma doença causada pelo fumo, como o câncer ou enfisema, por exemplo. Uma boa razão é que, de acordo com o órgão de saúde, os pulmões dos fumantes já funcionam melhor em um intervalo de 12 a 24 horas após o abandono do hábito. Além disso, o Inca lembra que o simples gesto de levar o cigarro à boca sem higienizar as mãos corretamente já pode facilitar a contaminação por covid-19.

Orientações do instituto:
1. Marque uma data ainda esta semana para deixar de fumar.

2. Enquanto não chega o dia que você marcou, reduza o número de cigarros diariamente, começando pelo adiamento do primeiro cigarro do dia. Não fume logo depois do café da manhã, do almoço, do lanche e do jantar. Essas medidas ajudam a diminuir o número de cigarros e vão preparando seu corpo para o dia da parada.

3. Um dia antes da data que marcou para deixar de fumar, quando for dormir, molhe com água todos os cigarros que sobraram no maço e jogue-os no lixo.

4. Não deixe nenhum cigarro para o dia seguinte porque, se tiver vontade de fumar e não tiver cigarros em casa, você terá mais sucesso, pois dificilmente você sairá devido ao risco da contaminação pelo coronavírus.

5. Se der vontade de fumar, lembre-se de que essa vontade só dura cinco minutos. Para se distrair nesses cinco minutos: ligue a televisão, tome um banho, coma uma fruta, faça um exercício respiratório… Enfim, faça alguma atividade para esse tempo passar.

6. Lembre-se que essa vontade de fumar irá diminuir à medida que os dias forem passando. Tenha paciência.

Fonte: Catracalivre / Foto: Reprodução internet