O incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), que matou 242 pessoas e completará seis anos no próximo domingo (27), trouxe uma nova perspectiva de vida para a empresária Suzielle Réquia de Barros, de 27 anos. Naquele 27 de janeiro, ela estava na casa noturna acompanhada de amigas. Ela não fazia ideia de que ali também estava um rapaz que viria a se tornar, cinco anos depois, seu marido.
O militar Thiago de Barros, de 33 anos, enviou uma solicitação de amizade no Facebook para Suzielle no dia 20 daquele mês. Eles frequentavam a mesma academia, mas nunca tinham trocado uma palavra. A partir da tragédia, vivenciada de perto por ambos, os dois se aproximaram e os laços entre o casal e suas famílias foram se estreitando.
Segundo o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), a utilização de um instrumento pirotécnico durante um show da banda Gurizada Fandangueira provocou a queima da espuma que revestia o teto do estabelecimento, liberando uma fumaça tóxica que matou 242 pessoas e deixou mais de 600 feridas.
Suzielle lembra que estava no bar da boate Kiss quando o incêndio começou. Ela disse que aquele espaço era mais tranquilo para conversar e, por isso, acompanhou Thiago até lá, enquanto suas amigas continuavam dançando perto dos artistas. Quando viu os clientes correndo, não entendeu o motivo, pois não tinha como ver o palco daquele ponto. Num primeiro momento, os seguranças barraram a saída das pessoas. Só ao perceberem que o local estava em chamas é que eles liberaram as portas, lembra ela.
— Estávamos no bar, próximos à porta, e vimos os seguranças barrando a saída. Nós não entendíamos o que estava acontecendo. Até aquele momento, não sabíamos do incêndio. Depois alguém gritou “Fogo!”, e os seguranças abriram a porta. Thiago conseguiu sair primeiro, mas eu fiquei presa na grade. Acabei desmaiando ali, bem na porta da boate. Havia outros precisando de ajuda com maior urgência, mas ele se preocupou comigo, me levou pro hospital, ligou pra minha família — conta a empresária, acrescentando que suas amigas foram para a área externa da boate logo após o início do show pirotécnico. Todas se salvaram.
Thiago estava em Santa Maria a trabalho em 2013. Sozinho na cidade, já que seus parentes moram no Rio de Janeiro, foi acolhido pela família de Suzielle. O militar ficou internado por dois dias após o incêndio, e Suzielle por três. Por intervenção da mãe dela, que ficou bastante grata ao jovem por ter prestado socorro a sua filha, puderam dividir o mesmo quarto.
— Ali começou uma amizade entre a gente e uma gratidão da minha família com ele. Meus pais começaram a trazê-lo pra dentro de casa. Eu acordava e estava ele lá pra almoçar, sabe? Ficamos muito amigos, fomos conversando, nos aproximando e, naturalmente, foi surgindo um sentimento. Começamos a namorar mesmo em julho (de 2013) — contou.
O casal vive atualmente em Campo Grande (MS) após Thiago ter sido transferido de posto. O casamento, celebrado em 8 de abril de 2018, foi um passo tomado após terem a certeza de que havia um propósito naquele relacionamento, após terem dado um tempo durante o namoro.
— A gente ficou muito abalado com tudo o que aconteceu, isso nos aproximou muito. Começamos a namorar, tentávamos entender o que tinha acontecido, o por quê daquilo tudo. Foi um momento que uniu a gente — disse Suzielle. — Entendo que Deus tem um propósito na vida de cada pessoa, os sobreviventes, os familiares (das vítimas)… A gente tenta entender. A tragédia ajudou a gente a mudar atitudes que precisávamos em nossa vida. Nós amadurecemos. A Kiss mudou a nossa vida, nossa forma de pensar, de agir. Ficamos com nossas vidas transformadas depois daquilo e conseguimos buscar juntos essa transformação.
A história do relacionamento deles foi publicada em um site voltado para os convidados do casamento. Suzielle afirmou que se juntaram para descrever de forma sucinta a vivência do casal. O relato comoveu a equipe de um portal de casamentos, que compartilhou na web as imagens da cerimônia e o texto, assinado pela empresária.
O processo contra as pessoas envolvidas no incêndio da boate Kiss continua em andamento. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) aceitou, em julho de 2018, um recurso do Ministério Público questionando a decisão que excluiu a competência do Tribunal do Júri para julgar os acusados. Desembargadores do 1º Grupo Criminal do TJ-RS tinham decidido isso em dezembro de 2017, por quatro votos a quatro. Agora a questão sobre quem deverá julgar os sócios da casa noturna — Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann — e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira — Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão — será remetida ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Fonte: Extra / Foto: Marcelo Kuczura Photography