Cientistas fazem novas descobertas sobre a chamada Anomalia Magnética do Atlântico Sul e que alcança uma grande área da América do Sul, incluindo parte do Brasil, sobretudo a Região Sul. Houve um crescente interesse da ciência pelo tema nos últimos anos, o que levou a novos trabalhos sobre a anomalia no campo magnético da Terra.
O comportamento estranho do campo magnético da Terra sobre a região do Atlântico Sul pode ser rastreado até 11 milhões de anos atrás, e é improvável que cause qualquer reversão iminente do campo magnético da Terra, mostrou um estudo publicado no Proceedings of the National Academy of Sciences.
A Anomalia do Atlântico Sul é um ponto fraco no campo magnético da Terra, que protege o planeta de altas doses de vento solar e radiação cósmica. Esta anomalia existe porque o cinturão de radiação de Van Allen interno da Terra se aproxima mais da superfície do planeta, causando um aumento do fluxo de partículas energéticas. Por sua vez, a anomalia também causa perturbações técnicas em satélites e naves espaciais que orbitam a Terra.
Pesquisadores da Universidade de Liverpool, na Inglaterra, estudaram rochas ígneas ou vulcânicas da ilha de Santa Helena, que fica na anomalia do Atlântico Sul. Os registros do campo magnético da Terra estão preservados em rochas ígneas, oferecendo uma visão detalhada da história magnética do planeta.
“Nosso estudo fornece a primeira análise de longo prazo do campo magnético nesta região que remonta a milhões de anos”, disse Yael Engbers, principal autor do estudo, em comunicado. “Isso revela que a anomalia no campo magnético no Atlântico Sul não é isolada, anomalias semelhantes existiam há 8 a 11 milhões de anos.”
Os pesquisadores estudaram rochas de 34 erupções vulcânicas que ocorreram em Santa Helena entre 8 e 11 milhões de anos atrás. Quando as rochas vulcânicas arrefecem, pequenos grãos de óxido de ferro nelas contidos ficam magnetizados, preservando a direção e a força do campo magnético da Terra naquele momento e local.
As linhas do campo magnético da Terra vão de Sul para norte, explicam os autores. Os registros geomagnéticos das rochas mostram que o campo magnético em Santa Helena apontou em diferentes direções durante erupções anteriores. Isto sugere que o campo magnético nesta região tem sido instável durante milhões de anos.
O campo magnético da Terra muda de força e direção ao longo do tempo. Acredita-se que estas flutuações possam eventualmente desencadear uma inversão do campo magnético da Terra. No entanto, dado que o campo magnético na região da anomalia do Atlântico Sul tem sido instável durante vários milhões de anos, não está provavelmente associado a qualquer reversão iminente, de acordo com o comunicado.
“Também apoia estudos anteriores que sugerem uma ligação entre a anomalia do Atlântico Sul e características sísmicas anômalas no manto inferior e no núcleo externo do planeta”, disse Engbers no comunicado. “Isso nos aproxima de vincular o comportamento do campo geomagnético diretamente às características do interior da Terra”.
Outro estudo descarta risco na aviação comercial
A Anomalia Magnética do Atlântico Sul provoca níveis significativamente aumentados de radiação ionizante e impactos relacionados em espaçonaves em órbita baixa da Terra, como um aumento correspondente na exposição à radiação de astronautas e componentes eletrônicos na Estação Espacial Internacional.
De acordo com uma lenda urbana, a anomalia também seria supostamente capaz de afetar o campo de radiação na atmosfera, chegando até as altitudes da aviação civil. Para identificar e quantificar quaisquer contribuições adicionais para a onipresente exposição à radiação em altitudes de voo, foram realizadas medições abrangentes atravessando a região geográfica da anomalia a uma altitude de 13 km em uma missão de voo única chamada “Atlantic Kiss”.
De acordo com estudo publicado na prestigiada revista científica Nature, durante o voo da pesquisa não foi encontrada nenhuma indicação de aumento na exposição à radiação, assim a anomalia não expõe nem passageiros nem tripulantes de voos comerciais no Brasil, América do Sul ou Atlântico Sul a maiores índices de radiação cósmica.
“Na verdade, esse resultado não é surpreendente, uma vez que não é conhecido nenhum mecanismo suficientemente eficiente para o transporte de radiação gerada por prótons com energias comuns do cinturão de radiação interno até as altitudes de aviação”, destacam os autores.
“Em resumo, os resultados da missão Atlantic Kiss contribuem para desmentir a lenda urbana de níveis geralmente aumentados de radiação ionizante em altitudes de voo na região geográfica da Anomalia do Atlântico Sul, que causou preocupações desnecessárias entre membros da tripulação e passageiros”, conclui a pesquisa.
O que é a Anomalia Magnética do Atlântico Sul
Ao contrário de Mercúrio, Vênus e Marte, a Terra é cercada por um imenso campo magnético chamado magnetosfera. Gerada por forças dinâmicas e poderosas no centro de nosso mundo, a magnetosfera nos protege da erosão de nossa atmosfera pelo vento solar (partículas carregadas que nosso Sol lança continuamente), erosão e radiação de partículas de ejeções de massa coronal (nuvens massivas de energia e plasma solar magnetizado e radiação), e raios cósmicos do espaço profundo.
A magnetosfera desempenha o papel de guardiã, repelindo essa energia indesejada que é prejudicial à vida na Terra, mantendo a maior parte dela a uma distância segura da superfície da Terra em zonas gêmeas em forma de rosca chamadas de cinturões de Van Allen.
O que mais chama atenção responde pela sigla AMAS que significa Anomalia Magnética do Atlântico Sul. Trata-se de um fenômeno que ainda é um mistério para a ciência e que não raro nas redes sociais alguém questiona se não estaria interferindo no clima do Brasil e da América do Sul, apesar de não haver evidência alguma até o momento.
A AMAS, que está crescendo e com seu centro mais perto da América do Sul, é uma espécie de defasagem na proteção magnética da Terra localizada sobre o Atlântico Sul, mais especificamente nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, em faixa que se estende até a África.
Mas, como este déficit de blindagem bem acima do Atlântico Sul pode afetar a vida no nosso planeta? Uma consequência que já compreendemos é na atuação dos satélites que estão na órbita da Terra. Ao passarem pela região com baixa na retaguarda de proteção, eles podem apresentar avarias causadas pelo fluxo de radiação cósmica.
Por isso, a anomalia é monitorada por agências espaciais como a ESA e a NASA, e mais recentemente pelo Brasil, que lançou ao espaço o nanossatélite NanosatC-BR2 com esta missão. É o que explicou à Agência Brasil o doutor em Física, pesquisador do Observatório Nacional, Marcel Nogueira.
”Por que as agências espaciais tem interesse na anomalia? Porque como essa região tem um campo mais enfraquecido, as partículas do vento solar adentram nessa região com mais facilidade, o fluxo de partículas carregadas que passam por aquela região é muito mais intenso”, explica Nogueira.
“Isso faz com que os satélites quando passam por essa região, eles tenham que, por vezes, ficar em stand by, desligar momentaneamente alguns componentes para evitar a perda do satélite, de algum equipamento que venha a queimar. Porque a radiação, principalmente elétrons, nessa região é muito forte. Então é de interesse das agências espaciais monitorarem constantemente a evolução desta anomalia, principalmente nesta faixa central”, complementa.
Imagine um dia sem internet, celular, GPS ou meios de comunicação? Se o fenômeno afeta os satélites que são responsáveis por sistemas de comunicação e geoposicionamento, então ele pode afetar a nossa vida tão tecnológica.
“Se gente estuda as tempestades também, temos condições de melhorar o nosso sistema de distribuição de energia elétrica e protegendo, evitando esses blecautes. Porque na vida cotidiana que a gente tem hoje em dia, tão dependente da tecnologia, qualquer tipo de apagão no sistema elétrico, de qualquer país, gera prejuízo de milhões ou até bilhões de dólares. É algo muito importante para nossa vida tecnológica hoje em dia.”, diz o pesquisador.
No Brasil, além do nanossatélite lançado ao espaço em uma parceria com a agência espacial da Rússia, também há dois observatórios magnéticos que, entre outras missões, estão focados em responder questionamentos sobre esta anomalia: Vassouras, no Rio de Janeiro, e Tatuoca, na região amazônica.
Ambos fazem parte da Rede Global de Observatórios Magnéticos, o Intermagnet. A falta de conclusões desperta curiosidade sobre a Anomalia do Atlântico Sul. Por isso é que ela acaba sendo popularmente associada a eventos como os já registrados no Triângulo das Bermudas. Mas, Marcel prefere dizer que o fenômeno é muito mais um desafio tecnológico e que não há conclusões que apontem para os riscos do fluxo das radiações cósmicas na vida humana.
Fonte: MetSul Meteorologia.