Caio Fernando Abreu transitava por crônicas, peças teatrais, artigos e resenhas para revistas e jornais, além de romances infantis e adultos/Foto: Bob Wolfenson

Um autor responsável por obras de humor ácido, que apresentava um importante reflexo de sua época. Caio Fernando Abreu é uma figura particular da literatura brasileira, com um impressionante catálogo de crônicas, peças teatrais, artigos e resenhas para revistas e jornais, assim como romances para crianças e adultos. Reservado para personalidades marcantes da literatura que nos deixaram, mas que seguem presentes e impactantes a partir de suas obras, o escritor gaúcho será o primeiro a receber a homenagem In Memoriam do Festival Internacional Literário de Gramado (FiliGram), evento que acontece de 19 a 28 de abril.

Natural de Santiago do Boqueirão, interior do Rio Grande do Sul, Caio Fernando Loureiro de Abreu nasceu em 12 de setembro de 1948. A partir de 1963, junto com a família, passou a morar em Porto Alegre. O pontapé profissional como escritor vem em 1966, ao ter seu primeiro conto, O Príncipe Sapo, publicado pela Revista Cláudia – a carreira segue para São Paulo após ser aprovado em um concurso para a redação da Revista Veja, além de trabalhar no Rio Janeiro como pesquisador e redator das revistas Manchete e Pais e Filhos.

O retorno para a capital gaúcha aconteceu em 1972, como redator da Zero Hora. A década de 1970 foi a da publicação de seu primeiro romance Limite Branco e de resistência em sua vida pessoal: a repressão da ditadura militar obrigou Caio a refugiar-se no sítio da escritora Hilda Hilst; posteriormente, acaba exilando-se na Europa, onde morou em Londres e Estocolmo.

“A escolha pelo nome de Caio foi uma sugestão abraçada em consenso pela organização. Um expoente que se destacou entre os anos 1970 e 1990, escrevendo sobre instabilidade, inquietude e ausência, durante período de ditadura e de incertezas políticas e econômicas do país”, explica Ricardo Bertolucci, secretário de cultura de Gramado. Os irmãos do escritor (Cláudia de Abreu Cabral, Luiz Felipe Loureiro de Abreu e Márcia de Abreu Jacintho) expressaram gratidão pela lembrança e homenagem, sendo “um reconhecimento ao trabalho deixado por ele, mesmo após 28 anos de sua partida”.

Entre suas obras, O Ovo Apunhalado (1975), Morangos Mofados (1982), Triângulo das Águas (1983), Os Dragões não conhecem o Paraíso (1988), Onde Andará Dulce Veiga? (1990) e Ovelhas Negras (1995) são destaques. Como poeta, é autor de mais de cem poemas que não são de conhecimento do público: apenas quatro foram publicados, em jornais e suplementos literários: Gesto, Prece, Oriente e Press to Open. “Foi alguém que tentou dar significado às suas perdas, dores, amores, com uma escrita que podia ser caótica em apresentar ideias constantemente, mas era provida de uma linguagem repleta de dinamismo e fluidez de palavras”, comenta Fernando Gomes, coordenador de conteúdo do FiliGram. Caio é observado também como um autor responsável por poesia visceral, cheia de musicalidade e questionamentos, livre dos limites impostos pela métrica.

Caio é também uma das figuras mais importantes da literatura LGBTQIA+ nacional, sempre dando voz a seus sentimentos e abordando temas tabus como a AIDS e a homossexualidade. Em 1993, quando trabalhava no jornal O Estado de São Paulo, descobriu ser portador do vírus HIV e decidiu escrever sobre sua vivência em crônicas semanais para o jornal, posteriormente reunidas no formato de três cartas para publicação da obra Cartas para Além do Muro. O escritor faleceu em 25 de fevereiro de 1996, em Porto Alegre.

Conforme destacam os irmãos de Caio, o que torna o reconhecimento ainda mais especial é o fato do autor ter uma ligação de afeto com a cidade de Gramado: “Em 1989, durante o Festival de Cinema, ele passou uma temporada em um sítio, de propriedade de Sr. Luiz Jacintho (sogro da sua irmã Márcia de Abreu Jacintho) e ficou encantado com o lugar. Em agradecimento, escreveu um texto lindo sobre o local. É um prazer receber essa honraria em nome do nosso irmão, Caio Fernando Abreu”.

A partir do tema “Qual o lugar da palavra?”, a segunda edição do FiliGram questiona qual é o espaço da palavra escrita para além das páginas de livros. Além da homenagem In Memorian, o FiliGram deve anunciar nos próximos meses outros dois tributos a nomes do setor: homenagem a um autor contemporâneo, oferecida aos nomes que contam com influente e importante produção literária atual no Brasil, e o Prêmio Empreendedor Literário, entregue para expoentes do mercado editorial que buscam promover e manter a literatura como uma força cultural.

O FiliGram é uma realização da Prefeitura de Gramado através da Secretaria Municipal da Cultura. Mais informações sobre o evento estão disponíveis no site (http://www.filigram.com.br).