“Como são viciantes, só se consegue deixar de comer passando por uma fase de largar mesmo, ficar sem consumir”, reconhece a nutricionista Ágata Roquette sobre os alimentos hiperpalatáveis
Há alimentos que são tão apetecíveis que se tornam viciantes. Têm combinações de açúcar, sal, gordura e texturas tais que quando chegam à boca é difícil dizer “basta”, mesmo que a cabeça saiba que não são os melhores amigos de um estilo de vida saudável.
Têm açúcar, sal, gordura e comê-los é um prazer a que se torna difícil resistir, quase ou mesmo ao ponto de se tornarem um vício. Quem nunca devorou um pacote de batatas fritas ou pipocas – quando havia prometido a si próprio que seria apenas uma porque está a tentar ter uma alimentação saudável – que atire a primeira pedra. Falamos dos alimentos hiperpalatáveis, uma tentação à espreita em todo o lado.
Os alimentos com elevada palatabilidade são geralmente alimentos processados que apresentam na sua composição elevadas percentagens de açúcar, gordura, sal e farinha. E, por isso, viciam as pessoas, que sentem prazer e satisfação quando os comem, por vezes compulsivamente, já que a sensação de saciedade tarda. Preocupados com o consumo descontrolado por parte da população com excesso de peso, Tebra Fazzino e outros investigadores do Centro Cofrin Logan, nos Estados Unidos, estudaram a sinergia entre os ingredientes que tornam estes alimentos mais apetecíveis e apontam três combinações: gordura e sódio (presentes nos cachorros quentes, piza e bacon), gordura e açúcares simples (frequente em bolos, pastelaria e gelados) e hidratos de carbono e sódio (bolachas salgadas, batatas fritas e pipocas de milho). São menos nutritivos, menos saciantes e provocam adição.
“Falamos não apenas do sabor, mas também do crocante, da textura e de toda a experiência orossensorial associada à ingestão de um alimento”, explica José Camolas, nutricionista do serviço de endocrinologia, diabetes e metabolismo do Hospital de Santa Maria e dos Serviços Sociais da Câmara de Lisboa, sublinhando que estes alimentos, “pela sua combinação de ingredientes e forma como são confecionados, potenciam as nossas preferências inatas pelo doce, sal, mistura de gordura e proteína”. As batatas fritas, se estiverem moles, “parece que não sabem tão bem”, mas o sabor é o mesmo, exemplifica.
Segundo o também docente do Laboratório de Nutrição da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e do Instituto Universitário Egas Moniz e membro da Ordem dos Nutricionistas, há um conjunto de fatores que os tornam tão apetecíveis e nos fazem querer ingeri-los em grandes quantidades.
Ancestralmente, os nutrientes que estes alimentos privilegiam eram de difícil acesso e o nosso organismo não tem dificuldades na sua absorção. “As pessoas terão uma predisposição natural para comer em proporção maior porque são prazerosos, de palatabilidade elevada e são pouco saciantes, porque têm pouca fibra e pouca necessidade de mastigação”, acrescenta José Camolas. Em suma: são alimentos de que as pessoas gostam e têm dificuldade em parar de comer.
“Desequilíbrio biológico”
Mas se os nutrientes típicos dos alimentos hiperpalatáveis estão presentes em elevada quantidade no organismo, “vão criar desequilíbrio biológico, com excesso de açúcar, de sal e gorduras”, alerta o especialista, especificando que este tipo de produtos, elaborados para serem especialmente agradáveis ao consumidor, tem um perfil nutricional preocupante. Sobretudo para as crianças. Estando “expostas” desde cedo a este tipo de ingredientes, “associados a resultados em saúde desfavoráveis”, terão mais dificuldade em gostar de legumes e hortícolas e adotar uma alimentação saudável.
Não é fácil lidar com estas tentações no dia a dia, reconhece o nutricionista. Para além de serem agradáveis ao palato, estes produtos são fáceis de encontrar nas lojas, muitas vezes são baratos, são práticos e adequados a um ritmo de vida muito acelerado.
“Para o cidadão comum é difícil resistir”, por isso, “é importante termos noção disso e não nos expormos excessivamente, não tendo estes produtos em grande quantidade em casa, para não estarem facilmente disponíveis”. Por outras palavras, é preciso sair da “zona de conforto”.
Também é má ideia “recompensar as crianças com este tipo de produtos. Devem ser expostas o mais tarde possível e é preciso usar formas criativas para terem contacto com outros alimentos mais saudáveis”. Se estes produtos se tornam normais na alimentação desde cedo, “há um excesso de consumo, associado ao prazer e à disponibilidade, e uma sobreposição quase total em relação a outros alimentos, pelos quais não têm esta preferência inata”.
É importante que as pessoas estejam conscientes destes mecanismos. Não resistir aos alimentos hiperpalatáveis “não é uma falha de caráter, de pouca vontade, uma falência de espírito de resistência. É biologia, modelada durante milhares de anos”, diz José Camolas, reforçando que, no passado, os nutrientes destes alimentos não eram “facilmente acessíveis e o organismo tornou-se especialista numa absorção eficaz. E, gustativamente, gostamos muito deles”. Conhecer estas características, “nem sempre nos vai fazer tomar as decisões certas. Mas vai permitir tomar mais, e com mais frequência, decisões certas”, prossegue.
A nutricionista Ágata Roquette avisa que estes alimentos que dão prazer momentâneo pelo seu doce, salgado e crocante, são “mais calóricos”. E é preciso arranjar estratégias para lidar com eles.
“As pessoas só os conseguem largar se os largarem efetivamente.” O que quer isto dizer? Que é preciso muita, mas mesmo muita, força de vontade para se fazer uma espécie de “desmame”. “Como são viciantes, só se consegue deixar de comer passando por uma fase de largar mesmo, ficar sem consumir. É preciso estar pelo menos três ou quatro dias sem os consumir. São dias que custam horrores, mas depois já se resiste melhor”, sustenta a autora dos livros “A dieta dos 31 dias” e “As regras de ouro da nutricionista Ágata Roquette”.
Não ter em casa este tipo de produtos (não os comprar para meter na despensa é meio caminho andado) e arranjar substitutos mais saudáveis é outra sugestão. Não há batata frita, mas há tremoços, frutos secos, ovo, banana. Um pouco de chocolate negro em vez de uma tablete inteira de outro tipo de chocolate. Portanto, outros alimentos que saciam e estimulam o bem-estar. “Há alimentos que são mais reconfortantes e podem substituir o que procuramos nesses alimentos mais viciantes”, assinala a nutricionista. A pessoa “não tem de se privar de tudo”, pois “pode não aguentar”. Lá virá um dia em que as pessoas estão mais fragilizadas e comem algum destes alimentos, mas é preciso ter cuidado para que não aconteça todos os dias ao ponto de ficarem “dependentes”, como se não conseguissem viver sem eles.
Há dias, adianta a nutricionista Ágata Roquette, “em que dormimos pior, trabalhamos muitas horas, estamos mais stressados e tristes e é mais difícil controlarmo-nos e temos mais tendência para esse tipo de alimentos”. Ou seja, para além da alimentação, é importante não descurar outros aspetos da vida, como o descanso, o exercício, a estabilidade. “Se a pessoas estiver muito ansiosa, mais vale ir fazer uma hora de desporto ao fim do dia”, dançar ou fazer algo de que se gosta e proporciona bem-estar, sugere Ágata Roquette. Porque “já sabe que, se se enfiar na cozinha, vai comer de certeza”.
Fonte: Notícias Magazine
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