
O longa-metragem “Bicho Monstro”, do cineasta gaúcho Germano de Oliveira, levou para as telas de todo o Brasil uma lenda da imigração alemã, com locações no coração da Serra Gaúcha. Filmado entre Morro Reuter e Santa Maria do Herval, o suspense, que mescla drama e fantasia, se destacou em festivais de destaque nacional e valorizou as paisagens, histórias e talentos da nossa região.
O filme, que estreou nos cinemas brasileiros em 25 de setembro de 2025, mergulha no realismo fantástico para contar a história do Thiltapes, uma criatura lendária do folclore germânico. A trama acompanha a pequena Ana (interpretada pela estreante Kamilly Wagner), moradora de um vilarejo rural, que se fascina pela lenda, enquanto paralelamente, 200 anos antes, um botânico alemão também investiga o misterioso animal.
Em entrevista exclusiva ao Olá Serra Gaúcha e Leouve, o diretor Germano de Oliveira, natural de Campo Bom, no Vale dos Sinos, revelou que a escolha pela região foi um retorno às suas origens.
“É uma história bem daquela região, do Vale dos Sinos. Quando eu era pequeno, já conhecia essa história, mas nunca tinha adentrado muito nos pormenores dela”.
A produção viajou por diversas cidades da Serra até definir as locações em Morro Reuter, Santa Maria do Herval e Dois Irmãos, que se tornaram parte essencial da narrativa.
“Na verdade, todos os lugares eram muito mais interessantes do que o que eu tinha imaginado. A beleza do lugar acaba se tornando mais interessante do que a imaginação, eu acho, muitas vezes”.



Para o diretor, as locações não foram apenas um cenário, mas uma inspiração direta para o roteiro:“Depois que a gente começou a descobrir lugares incríveis, esses lugares começaram a influenciar de volta o roteiro”. A ideia não era fazer um filme de suspense tradicional, mas sim explorar o fantástico no cotidiano.
“Eu considero ele um drama fantástico. A gente estava sempre pensando em como filmar a realidade de uma maneira estranha, enquadrar de uma maneira inesperada, do que colocar elementos do terror ou do fantástico tão presentes”.
Um dos grandes destaques do filme é a aposta em um elenco local, mesclando atores experientes, como a renomada Araci Esteves, com talentos da própria comunidade. A protagonista Kamilly Wagner e seu pai no filme, Décio Worst, foram descobertos em uma festa na região.
“Os dois foram encontrados numa festa local. A gente estava lá, filmou essa festa, ainda sem saber quem seriam os atores. Vimos nas imagens depois o olhar da Camile, que era muito observadora, e a gente sempre imaginou uma personagem muito observadora”.




A estética do longa também tem o toque da Serra além de suas paisagens, com o trabalho de Bruno Polidoro, profissional reconhecido como diretor de fotografia de diversas produções. Bruno e a diretora de arte Gabriela Burck foram premiados por seus trabalhos no filme durante a última edição do Festival de Cinema de Gramado.
Para dar expandir as dimensão da história, o bonense Germano de Oliveira fez questão de montar uma equipe com profissionais de diferentes partes do país. “
Um dos roteiristas é do Rio de Janeiro. Para mim era muito interessante colocar essa história local num panorama brasileiro, tentar ver o que dela pertence à cultura brasileira como um todo, não só local”.
Antes de chegar ao grande público, “Bicho Monstro” teve uma trajetória de sucesso em festivais, sendo premiado no 53º Festival de Cinema de Gramado e aclamado na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. A produção é uma parceria entre as produtoras Casa de Cinema de Porto Alegre, Vulcana Cinema e Avante Filmes.


Leia a entrevista na íntegra
A origem de ‘Bicho Monstro’ e a lenda do Thiltapes
Olá Serra Gaúcha: Queria saber como é que começou a pintar na tua cabeça essa ideia de talvez fazer uma obra de ficção com algo que é conhecido pela comunidade?
Germano de Oliveira: Bom, eu nasci ali no Vale dos Sinos, em Campo Bom. E essa é uma história acho que bem daquela região, do Vale dos Sinos, né? Quando eu era pequeno, já conhecia essa história, mas nunca tinha adentrado muito nos pormenores dela, sabia um pouco por cima. E aí, quando eu fui fazer o filme, eu sabia que o filme ia começar numa peça de teatro que se apresentasse numa comunidade no interior do Rio Grande do Sul. E aí, naturalmente, acabei indo para próximo de onde eu nasci. E falando com as pessoas da região, naturalmente essa história do Thiltapes ela surgiu novamente, com mais força daí, né? Muito através do Flávio Scholes, que era um pintor ali da região, com quem eu conversava há muito tempo sobre as histórias locais. Além de outros pesquisadores e também do grupo Curto Arte, que é um grupo de teatro ali de Dois Irmãos e que eles apresentam muitas peças sobre essa figura do Thiltapes. E aí, naturalmente eles entraram como a peça de teatro que abre o filme, né? Eles de fato estão ali apresentando uma parte da peça que a gente acabou modificando um pouco para se adaptar às questões do filme. Mas ela estava muito presente ali, então foi um pouco esse movimento de encontro com essa história local.
Olá Serra Gaúcha: Como é que tu chegou nessa conclusão de que primeiro, tu queria fazer isso como teu primeiro longa e, segundo, que tu precisaria ter essa equipe te cercando pra começar?
Germano de Oliveira: Acho que, na verdade, dá pra dar uma resposta às duas perguntas, pra mim sempre foi muito interessante a ideia de fazer um filme que tivesse uma coletividade maior, que não fosse uma coisa tão engessada só numa ideia pré-concebida minha. Então acho que desde o início, se eu tinha vontade de ter um roteiro que fosse influenciado pela realidade, por uma realidade de um lugar específico. (…) Eu comecei a voltar para a região, conversar com as pessoas e isso foi um pouco um termômetro de coisas também que eu ia escrevendo. Eu acho que essas questões locais e de conversa, de relação com as pessoas, acabaram influenciando muito o roteiro. É um filme que não é um filme realista, é uma fábula de alguma forma, mas é uma fábula influenciada por essas questões da realidade, por questões pontuais da realidade. E aí, trazendo para a equipe, eu acho que também é natural que eu esperasse um pouco esse olhar de outras pessoas também para dentro do filme. Então, pra mim foram trocas muito importantes mesmo de ter no roteiro, na montagem, enfim.
As locações na Serra e o olhar estrangeiro
Olá Serra Gaúcha: E o que te interessa nesse olhar, vamos dizer, do estrangeiro ou de alguma pessoa que não está vivendo essa experiência local? O que te interessa nisso para trazer dentro do filme?
Germano de Oliveira: Eu acho que, no meu caso específico, a minha família não é de origem alemã, então já tem uma coisa de já ter nascido e ter vivido lá durante tanto tempo, desde criança até os meus vinte e tantos anos, minha formação é lá, cultural de tudo, mas não é uma coisa que venha tanto da família assim, né? São as histórias que vem da região onde eu cresci. E aí, um dos roteiristas até é do Rio de Janeiro, só para dar um exemplo. Para mim era muito interessante colocar, digamos, essa história local num panorama brasileiro, tentar ver o que que dela pertence, digamos, à cultura brasileira como um todo, não só local. A gente tentar ampliar ela e colocá-la no mapa das histórias do Brasil. Então, eu acho que pra mim também tem esses outros olhares, de como que a outra pessoa lê essa história, o que interessa em outra pessoa que não viveu naquela região. É interessante por isso, ver o que dessa história interessava a elas. Então, acho que pra mim isso foi o principal.
Olá Serra Gaúcha: Teve algum filme, algum diretor, alguma obra que foi meio que seminal para ti, para botar esses bloquinhos de pé?
Germano de Oliveira: Eu posso falar de um filme específico, que sempre me interessou muito, se chama “O Espírito da Colmeia“, um filme espanhol do Víctor Erice, da década de 70. Que me tocou muito porque de alguma forma ele dialogava com uma questão muito importante para mim no filme, que é a questão de como uma história influencia na realidade de um personagem. No caso desse filme é o Frankenstein, que a menina assiste e aquilo mexe um pouco na realidade dela ali. E aqui no nosso caso é a peça de teatro. Então, esse foi um filme que eu lembro de ter visto e ter me marcado muito como um filme sobre a construção de um olhar. Queria partir um pouco daí. Além de vários outros filmes contemporâneos que acho que existe uma tendência também dessa mescla de realidade e ficção. Porque no nosso caso, apesar de ser um filme superficcional, ele é totalmente influenciado por elementos reais da cultura local.
Olá Serra Gaúcha: E quando tu foi levar esse projeto para os passos mais próximos da produção, como é que foi pra ti essa escolha dos locais para representar isso? Como é que tu chegou aqui na Serra Gaúcha?
Germano de Oliveira: Bem no início eu não sabia em qual lugar eu ia filmar, então eu acabei realmente circulando bastante pelo Rio Grande do Sul, mas principalmente na região da Serra. Em algum momento, naturalmente, eu fui para perto de onde eu nasci, que é o Vale dos Sinos, que é essa região específica da Serra. E aí eu acho que foi algo que naturalmente me puxou pelas histórias que eu já escutava desde pequeno. Acabou sendo um processo bem natural eu mergulhar nesses vilarejos, nesses lugares que eu já conhecia da infância. E aí depois que a gente decidiu filmar nessa região ali de Morro Reuter, Santa Maria do Herval, Dois Irmãos, a gente começou a realmente circular por tudo e perguntar para as pessoas e tentar adaptar o lugar ao roteiro. A gente começava a escrever a partir daquele lugar, tendo aquele lugar como referência. Então, foi um processo duplo. Primeiro a gente escreveu sem saber onde ia filmar. Depois que a gente começou a descobrir lugares incríveis, esses lugares começaram a influenciar de volta o roteiro.
Olá Serra Gaúcha: Teve alguma locação que te causou alguma impressão, do tipo “isso aqui tá muito melhor do que eu imaginei”?
Germano de Oliveira: Na verdade, todos os lugares eram muito mais interessantes do que o que eu tinha imaginado, porque no momento que tu vê, a beleza do lugar acaba se tornando mais interessante do que a imaginação, eu acho, muitas vezes. E ali na região de Morro Reuter, ela é linda, uma região incrível. E para mim foi, praticamente o filme inteiro, assim, era visualmente muito mais interessante do que eu imaginava, tendo aquela realidade ali como lugar para filmar.
O elenco local e a direção de atores
Olá Serra Gaúcha: Uma outra coisa que deu muita vida foi o uso da comunidade local, dos atores locais. Isso foi algo que vocês pensaram desde o início?
Germano de Oliveira: A gente sempre teve a ideia de chamar um elenco local pra fazer o filme. Sempre foi algo que nos interessou muito. A gente tem atores com uma longa trajetória, cito como exemplo a Araci Esteves, que é uma grande atriz gaúcha, super conhecida a nível nacional. Mas a Ana [Kamilly Wagner] e o pai dela [Décio Worst] e várias outras pessoas do elenco são pessoas lá da região que a gente descobriu. A gente abriu uma chamada para quem se interessasse em fazer um teste de elenco. A gente também adaptava um pouco a personalidade delas aos personagens. A Kamilly Wagner, que faz a Ana, e o pai dela, o Décio, foram encontrados numa festa local. A gente estava lá e filmou essa festa, ainda sem saber quem seriam os atores. E a gente viu nas imagens depois, tanto o olhar da Kamilly, que era muito observadora. A gente sempre imaginou uma personagem muito observadora. Conversamos com a família dela, com ela, e super se interessaram. Começaram a ensaiar e a gostar muito do processo.
Olá Serra Gaúcha: Como é que foi para ti, como diretor de atores, esse processo com a Camile, uma atriz mirim e iniciante?
Germano de Oliveira: Ele é um filme que é muito baseado no olhar, na força do olhar do personagem. Então, como eu estava comentando, ela era muito observadora, foi a primeira coisa que nos chamou a atenção. A gente ensaiou muito esse tipo de coisa, com a Liane Venturella, que foi a preparadora de elenco. A gente fazia muitos movimentos de passar sentimentos a partir só do olhar. E uma coisa interessante é que a gente fez alguns ensaios da Camile com o botanista, que é o personagem do passado. Só que eles nunca interagem dentro do filme. A gente acabou fazendo esse ensaio dos dois juntos para eles criarem movimentos parecidos, para eles terem um tipo de olhar parecido, uma curiosidade com as coisas que um vai ter, que o outro vai ter também.
Reflexões sobre gênero, carreira e o cinema gaúcho
Olá Serra Gaúcha: Aqui no Sul a gente tem uma produção bem forte de cinema de terror e fantástico. Como é que foi pra ti decidir fazer um filme de gênero?
Germano de Oliveira: Na verdade, eu não considero que é um filme de terror. Eu considero ele um drama fantástico, digamos assim. Porque é um filme que lida com elementos que podem ser associados ao terror, mas ele não tem os elementos tradicionalmente procurados em filmes de terror. Mas ao mesmo tempo, acho interessante poder ser considerado filme de terror porque, de alguma forma, aquele animal desperta medo na personagem principal. Acho que talvez dentro desse leque da fantasia, o realismo fantástico tenha sido a primeira coisa, da literatura, que a gente tem muito aqui na América Latina, que me guiou. A gente estava sempre pensando em como filmar a realidade de uma maneira fantástica, filmar a realidade de uma maneira estranha, enquadrar de uma maneira inesperada, do que colocar elementos do terror ou do fantástico tão presentes.
Olá Serra Gaúcha: Como tem sido a recepção do filme no circuito de festivais e agora com a estreia para o público geral?
Germano de Oliveira: É muito interessante esse momento, porque a gente acaba descobrindo coisas que a gente nem tinha discutido no processo de fazer o filme e que agora aparecem a partir do olhar de outra pessoa. Isso tem sido realmente muito gratificante. E tem sido interessante as pessoas se surpreendendo. Algumas talvez esperassem algo mais de um cinema de gênero, mas se deparam com uma outra proposta e também embarcam nisso. É um filme que se arrisca bastante, tem uma proposta de tempo bastante singular e de contemplação.
Olá Serra Gaúcha: Tendo um grande currículo como montador, como as diferentes formas de fazer audiovisual te ajudaram a chegar nesse momento?
Germano de Oliveira: O trabalho de montagem acaba sendo a última reescrita do filme. Eu montei filmes muito diferentes, documentários, híbridos, ficções. E com certeza essa experiência me influenciou, me ajudou muito agora nesse processo de dirigir. Muitas vezes quando a gente está montando, fica pensando no que poderia ter tido ali, uma imagem que poderia ter sido gravada que não foi. Eu tive muitas experiências como montador em filmes que têm essa mistura de ficção e documentário, e acho que isso foi uma das coisas que sempre me interessou muito.
Olá Serra Gaúcha: Como foi a experiência de montar o sucesso “Homem com H”?
Germano de Oliveira: O Esmir Filho, que é o diretor, a gente é parceiro de trabalho há muito tempo. Já montei a outra série dele, “Boca a Boca”, e o longa anterior. Ele já me falava sobre fazer o filme no Mato Grosso. Foi um processo super longo, um desafio montar porque eram muitas performances do Jesuíta Barbosa como Ney Matogrosso. A gente sabia que a ideia não era que elas fossem só a performance, que elas trouxessem outras coisas narrativas, visuais. E agora ver a resposta do público também foi incrível, ver as pessoas realmente se emocionarem com coisas que a gente se emocionava enquanto montava.
Olá Serra Gaúcha: O que tu diria para os jovens realizadores aqui da nossa região?
Germano de Oliveira: Para mim, uma questão importante sempre foi sair um pouco de onde eu estou, tentar criar essas pontes com pessoas de outros lugares, porque eu acho que isso enriquece muito o nosso processo. Trazer outros olhares, ver que o que a gente está fazendo às vezes pode ser feito de um jeito um pouco diferente, e ver o que das nossas histórias interessaria um público maior.
Olá Serra Gaúcha: Uma curiosidade pessoal minha: como foi trabalhar com o Jorge Furtado?
Germano de Oliveira: A Casa de Cinema de Porto Alegre, que o Jorge Furtado é sócio, foi o primeiro lugar que eu trabalhei. Fui assistente de montagem do Giba Assis Brasil, que é um grande montador e foi meu professor. O Giba foi muito generoso de ter me convidado. Enfim, foi uma escola para mim. E eles são coprodutores do “Bicho Monstro” também. A ideia do filme começou ali, quando eu tinha recém-entrado na minha produtora, a Avante Filmes. É uma reunião de três produtoras: a minha, a Casa de Cinema e a Vulcana Cinema.
Olá Serra Gaúcha: Gostaria que tu deixasse um convite para o público da Serra assistir ao “Bicho Monstro”.
Germano de Oliveira: Queria convidar todo mundo daí para assistir o filme. É uma proposta bem particular que fala sobre questões da nossa região. E acho que é uma oportunidade única, é difícil a gente ter os nossos filmes no cinema. Geralmente eles não ficam por muito tempo, então vão ver todo mundo aí ver agora na primeira semana. Isso é muito importante para o filme continuar circulando. E é isso, valorizar a experiência de ver um filme numa sala de cinema, que eu acho que é realmente algo muito especial.