Há um ano, a vida de Vlastimil Gular tomou um rumo indesejado: um pequena cirurgia nas cordas vocais revelou um câncer na garganta, o que o levou à perda de sua laringe e, com isso, de sua voz.
Mas Gular, pai de quatro filhos de 51 anos, ainda está conversando usando sua própria voz, em vez do timbre de um robô, graças a um aplicativo inovador desenvolvido por duas universidades checas.
“Acho isso muito útil”, disse Gular à AFP, usando o aplicativo para digitar o que ele queria dizer, com sua própria voz, por meio de um telefone celular.
“Eu não sou muito bom em usar a prótese vocal”, acrescentou, apontando para o buraco do tamanho de uma moeda em sua garganta.
Este pequeno dispositivo de silicone implantado na garganta permite que as pessoas falem pressionando o orifício com os dedos para regular o fluxo de ar através da prótese e, assim, criar som.
Mas Gular prefere o novo aplicativo de voz de alta tecnologia, que foi desenvolvido para pacientes que estão prestes a perder a voz devido a uma laringectomia, ou remoção da laringe, um procedimento típico para estágios avançados de câncer de garganta.
O projeto conjunto da Universidade da Boêmia Ocidental em Pilsen, da Universidade Charles de Praga e de duas empresas privadas – CertiCon e SpeechTech – teve início há quase dois anos.
A tecnologia usa gravações de voz de um paciente para criar uma fala sintética que pode ser reproduzida em seus telefones celulares, tablets ou laptops através do aplicativo.
Idealmente, os pacientes precisam gravar mais de 10.000 sentenças para fornecer aos cientistas material suficiente para produzir sua voz sintética.
“Editamos juntos sons individuais de fala, por isso precisamos de muitas frases”, disse Jindrich Matousek, especialista em síntese de texto para fala, modelagem de fala e acústica que lidera o projeto na universidade de Pilsen.
“Questão de semanas”
Mas há desvantagens: os pacientes que serão submetidos a laringectomias geralmente têm pouco tempo ou energia para fazer as gravações, na sequência de um diagnóstico que requer tratamento rápido.
“Geralmente é uma questão de semanas”, disse Barbora Repova, médica do Hospital Universitário de Motol, que trabalha no projeto pela Universidade Charles.
“Os pacientes também têm que lidar com questões como a situação econômica, as vidas deles estão de cabeça para baixo e a última coisa que eles querem fazer é gravar”, disse à AFP.
Para resolver essas dificuldades, os cientistas criaram um método mais simplificado para o aplicativo, que é apoiado pela Agência de Tecnologia da República Tcheca.
Trabalhando com menos sentenças – idealmente 3.500, mas um mínimo de 300 – esse método usa modelos estatísticos avançados, como redes neurais artificiais.
“Você usa modelos de fala com certos parâmetros para gerar fala sintetizada”, disse Matousek. “Ter mais dados é melhor, mas você pode obter uma qualidade decente com menos dados de uma determinada voz”.
As sentenças são cuidadosamente selecionadas e os sons individuais devem ser gravados várias vezes, visto que são pronunciados de forma diferente ao lado de sons diferentes ou no início e no final de uma palavra ou sentença, acrescentou.
Até agora, a universidade de Pilsen gravou entre 10 e 15 pacientes, segundo Matousek.
Além do checo, os cientistas de Pilsen também criaram amostras de fala sintetizadas em inglês, russo e eslovaco.
Gular, que era estofador e perdeu o emprego devido à sua deficiência, conseguiu gravar 477 sentenças nas três semanas entre o seu diagnóstico e a operação.
Mas ele estava estressado e insatisfeito com a qualidade de sua voz.
“Pacientes com câncer de garganta muitas vezes sofrem de alguma forma de disfonia (rouquidão) antes da cirurgia, e isso combinado com uma amostra de fala limitada, faz a voz parecer artificial”, disse Repova.
Conectado ao cérebro
Matousek acredita que, no futuro, os pacientes poderão usar o aplicativo para gravar sua voz em casa, usando um site especializado para orientá-los durante o processo.
E ele espera que um dia essa tecnologia vá ainda mais longe.
“O objetivo final é um dispositivo em miniatura conectado ao cérebro, aos nervos ligados à fala – então os pacientes poderiam controlar o dispositivo com seus pensamentos”, disse.
Esse tipo de solução avançada está muito distante, disse Repova.
“Mas veja os implantes cocleares – há 40 anos, quando eles começaram, não tínhamos ideia de como isso se desenvolveria, até que ponto eles acabariam sendo usados”, afirmou, referindo-se aos implantes no ouvido usados para combater a surdez grave.
“Um final feliz seria um dispositivo implantado na garganta que pudesse falar com a própria voz do paciente”, disse à AFP. “É realista; pode ser que não chegue em um ano ou mesmo em 10 anos, mas é realista e estamos a caminho disso”.
Fonte: Exame/ Foto: Ge Healthcare/Flickr