‘Nos sentimos como no filme, rejeitados’
Grupo precisou acionar bombeiros e polícia: ‘Olha, que drama, né?’, diz frequentadora
Parecia uma cena retirada de um filme do cinema na noite do último sábado. Por volta da meia-noite, aproximadamente 40 pessoas clamavam desesperadamente por ajuda na Rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro. De maneira intrigante, o grupo encontrava-se dentro do Estação Net Rio, um cinema local. Gritando aos transeuntes de um bar do outro lado da rua, tentavam explicar: “Estamos presos, esqueceram de destrancar a porta”. Essa situação se desenrolou por 30 minutos, transformando o que deveria ser um curta-metragem na prática em um tenso longa-metragem para aqueles que estavam dentro do estabelecimento.
— Naquele momento, a gente só queria liberdade — conta a aposentada Ruth Kauffmann, de 70 anos, que relatou a situação num depoimento publicado nesta quarta na seção de Cartas dos Leitores do GLOBO. — Não sabíamos como proceder. Era como se estivéssemos órfãos ali. Olha, que drama, né? A gente ficou sem ação, desesperado. Havíamos acabado de assistir ao filme “Os rejeitados”. E nos sentimos assim: rejeitados.
O primeiro indício de que algo estava errado veio junto com os créditos finais, quando habitualmente as luzes da sala se acendem. Naquela noite, coube aos espectadores procurarem a porta de saída no escuro. Alcançado o saguão — com a ajuda de lanternas de celulares —, outra surpresa: o cinema estava fechado. O passo seguinte foi acionar a polícia e os bombeiros e clamar por ajuda a quem passava. Através da grade vazada, Ruth notou a expressão de espanto das pessoas do lado de fora. E percebeu que muitas não se atreveram a se aproximar, com medo:
— Essa é a cidade que a gente vive, né? — pondera Ruth.
Ambos haviam fechado as portas do Estação Net Rio, acreditando que todas as projeções tinham sido devidamente finalizadas. Foi um erro inédito, “absurdo e surreal”, nas palavras de Adriana Rattes, sócia-fundadora do Grupo Estação. Mas com uma ressalva: como na ficção, absurdos também acontecem.
— Foi terrível, e ninguém imaginou que isso poderia acontecer. Depois de 40 anos em atividade, se tivéssemos feito isso mais de uma vez, já não estaríamos funcionando agora — diz Adriana. — Estamos a semana inteira digerindo o assunto. Imagina se essas pessoas tivessem passado a madrugada lá dentro? Tenho pesadelos só de pensar nisso.
À frente do mais tradicional cinema de rua do Rio — que arrecadou, durante a pandemia, mais de R$ 700 mil, por meio de campanha de financiamento coletivo, para enfrentar uma forte crise financeira —, a empresária pede que todos os espectadores que estiveram na tal sessão busquem contato com o cinema, pessoalmente ou via redes sociais. Adriana sinaliza o interesse para uma versão estendida da história, com final alternativo.
— Além do pedido de desculpas, queremos tentar oferecer alguma coisa que seja uma gentileza para o público, depois desse transtorno tão grande. Não quer dizer que resolveremos ou compensaremos esse problema… Mas queremos mostrar que, sim, estamos muito preocupados com o o que aconteceu, chateados — acrescenta Adriana.
A primeira medida foi afastar temporariamente os funcionários responsáveis pelo erro, mantendo o bom senso de não colocar em xeque o emprego de ninguém.
A despeito do imbróglio, Ruth e seus colegas “rejeitados” concordam ao recomendar o longa de Alexander Payne, indicado a cinco categorias no Oscar deste ano, incluindo a de Melhor Filme. Na comédia, veja só, um grupo é obrigado, contra a vontade, a passar um longo período juntos.
— É um filme maravilhoso. Não perca! — indica Ruth.