Cerca de ⅔ (62%) dos médicos brasileiros têm ou tiveram sintomas de síndrome de burnout (o esgotamento profissional) ou receberam o diagnóstico do distúrbio, segundo a pesquisa “Saúde Mental do Médico” realizada pelo Research Center da Afya. Outros 47% têm ou já tiveram diagnóstico de transtorno de ansiedade e 46%, de depressão.

O levantamento foi realizado de junho a julho do último ano por método quantitativo. Foram obtidas 3.489 respostas, sendo que 3.115 pessoas completaram o questionário. A margem de erro é de 1,66 a 1,76 p.p (pontos percentuais) com nível de confiança de 95%.

Segundo a pesquisa, os principais fatores atribuídos pelos médicos aos sintomas de burnout são:
excesso de horas no trabalho: 47%;
salário insuficiente: 32,6%;
falta de realização profissional: 30,6%;
excessão de tarefas burocráticas: 27%.

“Em ambos os cenários, as causas diretamente relacionadas à pandemia de covid-19 foram pouco relatadas, o que permite gerar a hipótese de que fatores anteriores à pandemia e inerentes aos cenários de atuação médica preponderam na incidência desses casos entre os médicos”, afirmou.

Ao Poder360, o médico Eduardo Moura, diretor do Research Center e responsável pela pesquisa, afirmou que profissionais de saúde são uma das classes profissionais mais vulneráveis à síndrome de burnout e ao psicoadoecimento. Segundo ele, a pandemia “só deixou esse problema mais evidente”.

“Tivemos uma verdadeira epidemia de burnout entre profissionais de saúde durante o período pandêmico, e o adoecimento psiquiátrico, depressão e ansiedade, também aumentou muito nessa população durante a pandemia. No entanto, não se restringe a pandemia”, disse.

Além disso, cerca de ⅓ (63%) dos profissionais disseram não tratar a síndrome de burnout por “falta de tempo” enquanto cerca de metade (52,1%) responderam “falta de motivação”. Outros 20% alegaram ainda “medo do impacto profissional”.

O Research Center concluiu que os médicos do Brasil tem 30% a mais de nível de estresse do que os profissionais dos Países Baixos, por exemplo, a partir de análise com uso da EPS-10 (escala de percepção de estresse). Para 56% dos médicos, o estresse está relacionado com a insatisfação com as condições do trabalho e com o sistema de saúde.

TRANSTORNOS E USO DE DROGAS
A ansiedade é o transtorno perguntado mais comum entre a classe médica do país: só 20,4% disseram que nunca apresentaram sintomas. A maior parte (32,2%) afirmou ter apresentado sinais de ansiedade, mas não estão em acompanhamento. Já 7,3% afirmaram ter o diagnóstico, porém, não se tratam. Leia outras respostas:

28,3%: “tenho um diagnóstico atual do transtorno de ansiedade, trato e acompanho com especialista”; e

11,7%: “já fui diagnosticado com transtorno de ansiedade no passado, mas atualmente não tenho a doença”.

Já a depressão atinge ou atingiu 46% dos médicos, somados aqueles que afirmaram ter apresentado diagnóstico ao menos uma vez –sendo que 3,5% não estão em tratamento. Considerados aqueles que disseram ter apresentado sintomas, o percentual é de 64,9%. Outras 30,6% disseram nunca ter sinais do distúrbio.

O levantamento também mostrou que cerca de 50% dos médicos usam alguma droga psicoativa, sendo os antidepressivos as mais usadas, com 41%. Já a classe de psicoativo com automedicação mais comum são os opioides, como morfina: 62%.

Para o diretor do Research Center, como a prevalência de doenças mentais é alta, “nada mais natural do que esperar que médicos usem drogas psicoativas para tratamento destas condições”. Porém, disse que é preciso olhar esse dado com cuidado.

“Quando bem indicada, essas drogas são fortes aliadas no tratamento. O que mais preocupa, é que 1/3 de quem usa se automedica. Aí é que mora o perigo porque esse profissional deveria ter um acompanhamento de um médico psiquiatra e não se automedicar”, afirmou.

Em relação ao uso de drogas não terapêuticas:
quase metade (48,5%) dos médicos bebem álcool;
10% fumam tabaco;
6,2% usam drogas ilícitas, como maconha (78,5%), anfetaminas e psicoestimulantes, a exemplo de LSD e êxtase, (39,5%), cogumelos (10,3%) e cocaína e derivados de opioides (9,7%).

“É um tanto quanto alarmante pensar que quase 1/3 dos médicos se automedicam, sem uma correta avaliação e acompanhamento. Sendo isso uma possível consequência do estigma que a doença mental ainda carrega e que os previne de se exporem para outros profissionais (nesta situação, colegas de profissão)”, disse.

HÁBITOS E AMBIENTE PRECÁRIOS
Os números mostram que os profissionais da área da saúde têm um estilo de vida com altas taxas de não prática de hábitos considerados saudáveis. As áreas mais negligenciadas são atividade física, sono e lazer, de acordo com o levantamento. Eis abaixo:

35% mantém regularmente um sono reparador;
65,1% não fazem atividades físicas com frequência;
cerca de ⅓ tiveram momentos de lazer nas últimas 2 semanas.

“O perfil de hábitos de vida do médico brasileiro identificado neste inquérito é bastante prejudicial à saúde e percepção de bem-estar”, disse o Research Center. “Esse impacto tende a ser maior entre médicos com menor tempo de formação, em especialização, com jornadas de trabalho superiores a 60 horas semanais, atuantes como generalistas ou em especialidades de acesso direto e que trabalham em instituições de saúde e não apenas em seu próprio consultório ou clínica.”

Já em relação ao ambiente de trabalho, a maioria (75%) dos médicos disseram que a instituição onde trabalham não oferece suporte emocional e metade, que não têm rede de apoio. Segundo o estudo, o cenário de adoecimento dos profissionais pode ser potencializado por aspectos institucionais.

“A população médica do Brasil possui hábitos de vida que potencializam o estresse e o adoecimento mental, porém as condições de trabalho parecem estabelecer um vínculo bastante perigoso como uma pressão ambiental que oferta risco para a prática médica e piora os desfechos de saúde mental de sua força de trabalho”, afirmou.

Entretanto, apesar dos sintomas de distúrbios e transtornos causados pelo estresse, ansiedade e depressão, 42% dos médicos responderam ao núcleo de pesquisa da Afya que estão satisfeitos com a profissão e mais da metade (52%) disseram que não se arrependem de ter cursado medicina.

PERFIL DOS MÉDICOS
A pesquisa do Research Center também trouxe um panorama do perfil médico brasileiro. A maior parte dos profissionais da área são especialistas (59%), trabalham em centros de emergência (41,6%) e se formaram de 6 a 10 anos (21,2%). O tempo médio da jornada do médico no país é de cerca de 52 horas por semana.

Créditos: Poder 360.