A situação da indústria vinícola dos EUA é desanimadora, de acordo com um relatório anual de análise que costuma ser acompanhado atentamente pelo mercado. Os produtores e anunciantes de vinho estão perdendo os consumidores mais jovens, segundo o relatório, por não produzirem vinhos que se ajustem aos orçamentos desse público e por não conduzirem campanhas de marketing direcionadas a ele.
A mais recente edição do State of the U.S. Wine Industry, um relatório anual que faz recomendações ao setor há mais de 20 anos, descobriu que a única área de crescimento para o vinho americano era a dos consumidores com mais de 60 anos, disse o autor do estudo, Rob McMillan, vice-presidente executivo do Silicon Valley Bank, em Santa Clara, Califórnia, e veterano analista da indústria vinícola dos Estados Unidos. A área de maior crescimento, ele acrescentou, era a dos consumidores entre os 70 e 80 anos de idade.
Como já tinha acontecido em anos recentes, o relatório exortou a indústria vinícola a fazer um trabalho melhor para atrair os consumidores mais jovens, que hoje têm muito mais opções de bebidas do que era o caso da geração baby-boom [os americanos nascidos entre 1946 e 1964] em seus anos formativos. Entre elas estão cervejas artesanais, bebidas alcoólicas de baixa produção e coquetéis artesanais, hard seltzers e outras bebidas novas, como o kombucha com álcool e as bebidas de cânhamo.
O problema, na opinião de McMillan, não é tanto o vinho em si, mas o marketing. Ele acredita que a indústria do vinho como um todo precise tomar medidas para despertar curiosidade e interesse pelo vinho, e para destacar aspectos que, segundo ele, atrairiam as gerações mais jovens.
Especificamente, o estudo aponta que a indústria deveria enfatizar a sustentabilidade ambiental do vinho, e deveria abraçar práticas de rotulação transparentes com relação ao valor nutricional e ingredientes de seus produtos, algo a que o setor vem resistindo há anos, a fim de conquistar os consumidores preocupados com saúde e bem-estar.
O prognóstico pessimista estende e amplia as conclusões do relatório do ano passado, que se centrava na geração millenial, cujos integrantes não demonstram o mesmo interesse por vinho que a geração baby-boom, a principal consumidora de vinho.
Novos dados compilados pela Sovos ShipCompliant, uma empresa que ajuda os produtores de vinho a cumprir as inúmeras leis de navegação que vigoram nos 50 estados americanos, permitiram que McMillan acompanhasse 80 milhões de transações de consumidores desde 2007, a fim de traçar um quadro mais claro para o relatório de 2023. Ele disse que hoje, os consumidores com menos de 60 anos de idade estavam ainda menos interessados em comprar vinho do que era o caso em 2007.
“É pior do que eu pensava”, disse McMillan em entrevista por telefone. “Pensei que teríamos feito algum progresso entre as pessoas de menos de 60 anos. Há sete anos que falo sobre este problema, e ainda não reagimos”.
Não é que os consumidores mais jovens não tenham dinheiro para comprar vinho, disse McMillan. Ele citou um relatório anual sobre bens de luxo, da Bain & Company, uma consultoria que diz que o mercado de produtos de luxo está experimentando um crescimento saudável, e atribui o fato aos gastos de consumidores da geração millenial (nascidos de 1981 a 1996) e da Geração Z (os nascidos de 1997 a cerca de 2010).
As vendas de garrafas com preço acima de US$ 15, aproximadamente, o segmento que a indústria define como “vinhos premium”, mostraram bons resultados, com “excelente crescimento e retorno”. O maior problema é com os vinhos de preço inferior a US$ 15, que McMillan define como “vinhos de produção”, porque, ao menos nos Estados Unidos, a maioria das marcas com preços inferiores a US$ 15 são produzidas em massa.
O que falta, argumenta McMillan, são vinhos sedutores para os iniciantes, garrafas que proporcionem um momento de interesse que atraia os consumidores a aprender mais sobre o vinho e talvez iniciar uma busca vitalícia pelos mesmos prazeres. Ele citou “wine coolers”, vinhos misturados com água gaseificada e vendidos em latas, ou pequenas garrafas de marcas como a Bartles & Jaymes, que, segundo o pesquisador, foram fundamentais na apresentação dos prazeres do vinho à geração baby boom nas décadas de 1980 e 1990.
Hoje em dia, segundo o relatório, essa categoria que abriga os vinhos em doses pequenas foi capturada pelos hard seltzers e coquetéis pré-preparados, embora o texto sugira que o vinho em lata é uma oportunidade de construir vendas.
“Nunca houve uma distância maior entre os vinhos de produção em massa e os vinhos premium, no negócio do vinho”, afirma o relatório, que também alerta os produtores de vinhos de preço mais alto para que não sejam complacentes. “As questões que afetam o vinho de preço mais baixo acabarão por afetar também os produtores de vinhos de qualidade superior, se nada for feito para mudar a trajetória atual dos consumidores”.
Nem todo mundo no ramo concorda inteiramente com o relatório. Carlton McCoy Jr. —membro da geração millenium e sócio administrador da Lawrence Wine Estates, que controla vinícolas no Napa Valley e em Bordeaux— não confia inteiramente nos dados da Sovos, que rastreia as transações diretas entre produtores e consumidores. Ele acredita que os números subestimem a quantidade de pessoas mais jovens que gostam de vinho e o compram em lojas ou restaurantes.
“Não tenho certeza se rastreávamos ou não os hábitos de consumo de vinho das pessoas com idade entre os 20 e os 30 anos, três décadas atrás”, ele disse, “mas, das pessoas com quem trabalho e têm idades entre os 60 e poucos e os 70 anos, nenhuma começou a beber vinho até depois dos 30. Sinto que a indústria vinícola está evoluindo de forma a atrair muitas faixas etárias diferentes.”
McCoy disse que em sua opinião é empolgante que a indústria do vinho esteja diversificando sua forma de vender e comercializar rótulos com preço abaixo dos US$ 15, o que inclui mudanças de embalagens e de teor do marketing. Mas McMillan disse que a indústria vinícola está fracassando gravemente em termos de publicidade e promoção, que desempenham papel importante em despertar o interesse dos consumidores pelo vinho.
Ele mencionou números que mostram que US$ 122 milhões foram investidos em publicidade de vinho em 2021 —valor muito inferior ao dos gastos publicitários da cerveja (US$ 886 milhões), bebidas destiladas (US$ 533 milhões) ou bebidas de malte aromatizadas (US$ 328 milhões).
A pouca publicidade que é realizada, ele disse, é dirigida a consumidores mais velhos, “naquele estilo de toalhas de linho branco e casas luxuosas, em muitos casos com um aceno ao estilo de vida dos ricos e famosos —informação que pode interessar aos devotos do vinho e consumidores com mais de 60 anos mas provavelmente não interessa à grande maioria dos potenciais clientes”.
“Aquela mensagem é, na melhor das hipóteses, um desperdício, se dirigida a públicos mais jovens”, ele disse. “Na pior das hipóteses, ela os afasta do vinho”. O marketing para consumidores mais jovens deveria reforçar o aspecto de sustentabilidade e de responsabilidade social, disse McMillan, temas que o vinho está bem posicionado para destacar.
Conscientização quanto à saúde é uma área em que o vinho já mostrou algum sucesso, com os chamados vinhos limpos, um termo em grande parte sem sentido que implica saúde, uma bebida que faz bem.
McMillan afirmou que os jovens são céticos quanto a marketing que pareça opaco e pouco autêntico. Não estou ciente de indicadores que apontem que isso se aplique mais às gerações mais jovens do que a quaisquer outras, mas visitar um wine-bar em qualquer cidade grande oferece alguma sustentação à ideia.
Os clientes são frequentemente jovens, e bebem vinho. Muitas vezes, é vinho natural, em geral marcas importadas, e não “vinhos limpos”, que podem em muitos casos servir como exemplos perfeitos de marketing opaco.
Posso ir além, quanto aos atrativos do vinho natural. A percepção de saúde é importante, mas autenticidade e um espírito de diversão despretensiosa são os elementos mais cruciais. Se a geração baby-boom retratava o vinho como uma recompensa dentro daquilo que Robert Mondavi costumava definir como a “boa vida”, —exemplificada por prosperidade, ambiente bucólico e tempo de lazer abundante—, já o vinho natural é visto como uma característica de qualquer vida. É um produto de consumo básico da vida cotidiana, e não um produto a que as pessoas devam aspirar.
McMillan sugeriu um argumento de venda ideal para o vinho: “Nosso vinho é feito de uvas cultivadas organicamente e contém levedura natural, sulfitos naturais e adicionados para gerar frescor, e menos de 1% de açúcar residual das uvas colhidas. Uma dose de 150 mililitros tem 140 calorias”.
É uma proposição atrativa. Falta apenas um elemento: o preço. Posso garantir que poucos, se é que algum, vinhos da costa oeste americana cultivados organicamente e produzidos com levedura natural serão vendidos por menos de US$ 15, um preço que é essencial para atrair novos consumidores, mesmo que os consumidores mais jovens estejam comprando mais bens de luxo, agora.
No começo da pandemia, o New York Times recomendou 15 vinhos, todos com preços abaixo de US$ 15 por garrafa. Apenas dois eram americanos: um da região dos Finger Lakes, em Nova York, e o outro do Oregon. Na coluna “20 por menos de US$ 20”, está cada mais difícil incluir vinhos da costa oeste americana sem repetir indicações do passado.
Há muitos vinhos americanos baratos por aí, é claro. Mas, em sua maioria, não são particularmente bons, e as vinícolas têm dificuldade para competir com os importados, especialmente de regiões históricas de produção de vinho.
As razões são claras. A terra e, especialmente na costa oeste, a mão de obra são mais caras nos Estados Unidos, particularmente em lugares apropriados para a produção de vinho. Grande parte do vinho barato da Califórnia vem do Central Valley, uma área quente e plana dedicada à quantidade de preferência à qualidade. Muitos dos vinhos produzidos lá são produtos de massa, e de baixo custo, derivativos piorados de vinhos de maior qualidade.
Consumidores que estejam em busca de vinhos americanos podem encontrar cabernet sauvignons, chardonnays e pinot noirs caros e cuja produção requer uso intensivo de mão-de-obra, feitos de acordo com os padrões exigentes de Napa e Sonoma, por exemplo, e cabernets, chardonnays e pinot noirs baratos produzidos com tecnologia e usando artifícios para imitar as garrafas caras.
Em contraste, a Europa está repleta de empresas vinícolas familiares em “appellations” [regiões] pouco conhecidas, que cultivam uvas desconhecidas e bem adaptadas às suas terras. Esses vinhos expressam patrimônio e tradição, e podem muitas vezes ser produzidos a custos mais baixos do que os vinhos americanos de qualidade semelhante.
Mas eles estão em desvantagem. Se os jovens, ou na verdade qualquer pessoa com pouca experiência em vinhos, quiserem pedir um copo de vinho em um restaurante, é mais provável que peçam um copo de chardonnay, uma variante conhecida, ou mesmo um pinot grigio italiano produzido em massa, em vez de, digamos, um grillo da Sicília ou uma baga da Bairrada, de Portugal.
Como resultado, os americanos talvez estejam pagando de US$ 15 a US$ 20 por uma taça de vinho medíocre, o que é triste, já que vinhos comprados por taça são uma oportunidade perfeita para conhecer a bebida. De outra forma, o mesmo dinheiro pode ser destinado a um coquetel de primeira linha ou cerveja artesanal, duas proposições de valor mais alto.
Fonte: Folha de São Paulo com informações do The New York Times