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Escola Bolshoi de Joinville celebra 25 anos de busca por potenciais bailarinos em todo o Brasil

Enzo Santos era uma criança de dez anos no município de Serra, no Espírito Santo, quando foi incentivado a participar de uma audição que daria outro rumo à sua vida. O garoto, que havia começado a dançar na igreja do bairro Jardim Carapina, e logo depois foi encaminhado para oficinas do projeto social Vida, tinha menos de um ano de experiência com balé quando decidiu tentar uma vaga na Escola do Teatro Bolshoi no Brasil.

Localizada em Joinville, Santa Catarina, a escola é a única filial fora da Rússia do tradicional Teatro Bolshoi de Moscou. A instituição, que celebra 25 anos agora, se tornou um polo de excelência na formação de bailarinos clássicos. Desde sua criação, já formou 478 artistas de 22 estados brasileiros, com três em cada quatro deles atuando profissionalmente nas melhores companhias de dança do Brasil e do mundo.

O bailarino Enzo Santos no espetáculo ‘O Lago dos Cisnes’, da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil – Cleber Gomes/Cleber Gomes/Divulgação

Para entrar na escola, a seleção é disputada. Há uma década, Santos competiu com cerca de 1.500 crianças por apenas 40 vagas. Na época, morador de uma casa simples de madeira com os pais —um ajudante de pedreiro e uma faxineira— e três irmãos, contou com grande incentivo familiar.

“Sempre tive muito apoio para esse lado artístico. Fui direcionado a um projeto social que tinha a missão de proteger crianças da criminalidade em bairros perigosos. Nesse projeto, havia uma oficina de dança onde me destaquei. Fui encaminhado para uma escola de balé, e lá me sugeriram fazer a audição do Bolshoi”, lembra.

Aprovado em outubro de 2015, Santos iniciou as aulas já em janeiro do ano seguinte. Para seguir seu sonho, toda a família decidiu embarcar em direção ao Sul do país, mas ainda faltavam recursos para a viagem. Houve então uma grande mobilização na comunidade do Jardim Carapina, entre vizinhos, amigos, educadores e até desconhecidos, para levantar fundos que viabilizassem a mudança.

No início, apenas a mãe e o irmão caçula conseguiram acompanhá-lo. “Foi uma época bem complicada, porque minha mãe passou três meses desempregada em Joinville. A gente não tinha móvel algum, não tinha nada. Só tínhamos um colchão de solteiro e a TV, que trouxemos de Vitória. Às vezes era difícil conseguir repousar. Minha mãe deixava eu e meu irmão dormirmos no colchão e ela dormia no papelão”, conta Santos.

As dificuldades permaneceram por um tempo, mesmo com a chegada do pai e dos irmãos mais velhos, quatro meses depois, a Joinville. Enquanto a família tentava se estruturar em outra cidade, Enzo conciliava uma rotina pesada de aulas no Bolshoi, pela manhã, com a escola regular, à tarde, além dos ensaios, treinos e fisioterapia, à noite.

Hoje, aos 20 anos, formado, sendo um dos bailarinos da Companhia Jovem do Bolshoi, Santos acredita que foi a estrutura da escola que possibilitou que concluísse os estudos. Além da formação artística e educacional gratuita, a instituição oferece aos estudantes alimentação, transporte, uniforme, figurinos, fisioterapia, academia e assistência médica e odontológica, e conta com um quadro de quase cem colaboradores. Um aluno custa em média R$ 35.500 ao ano.

“Era uma bolha de segurança. A escola me abraçou. Aqui encontrei outros meninos com o mesmo sonho. Vi que era possível”, diz o bailarino.

Clara Galhardo sentiu-se da mesma forma quando deixou seus pais em Bauru, interior de São Paulo, e mudou-se sozinha, com dez anos, para Joinville, em 2017. Ela foi acolhida por um lar social, onde vive até hoje, para ter a formação em dança do Bolshoi.

“Só volto para casa nas férias. Fiz um trato com os meus pais de ligar para eles todo dia, toda hora. Então, não perdi esse contato, e sinto que a minha conexão com eles, mesmo à distância, é muito forte, sabe?”, diz Galhardo. “E a minha relação com os meus pais sociais é muito boa. Eles realmente me acolheram. Me dão o carinho que os meus pais não conseguem dar pessoalmente.”

A estudante da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil Clara Galhardo – Divulgação

Prestes a se formar, aos 17 anos, Galhardo espera conseguir trabalhar em uma grande companhia fora do país. Santos e ela querem seguir os passos da goiana Amanda Gomes. Ex-aluna do Bolshoi, hoje é a primeira bailarina da Ópera de Kazan, capital da República do Tartaristão, região semi-autônoma da Rússia. Por sua trajetória, ela foi condecorada com a Ordem do Rio Branco, maior honraria concedida pelo Ministério das Relações Exteriores brasileiro.

“Ainda quero viver da arte, viajar o mundo. Sonho, inclusive, em dançar um dia na Rússia. Meus pais diziam que eu ia ser bailarino. Eles estavam certos”, diz Santos.

O jovem bailarino já é reconhecido por suas habilidades acima da média. No mês passado, durante as celebrações de 25 anos da escola, ele foi o escolhido para viver Benno, um personagem de destaque do espetáculo “O Lago dos Cisnes“.

Quase toda a escola foi envolvida no projeto ambicioso que levou mais de cem bailarinos ao palco. Para os protagonistas, no entanto, foram convidados bailarinos profissionais de fora da escola —como Gomes no papel de Odete—, devido à alta complexidade técnica que eles exigiam.

“Foi um dos maiores desafios da minha vida. Eu achava que não ia conseguir, mas me disseram: ‘Você tem talento. Nós escolhemos você.’ Aquilo me deu forças”, diz Santos, que considera também fazer audições para outras grandes companhias europeias, como a Ópera de Paris ou a companhia alemã Stuttgart Ballet.

    A Escola do Teatro Bolshoi no Brasil segue o método Vaganova de ensino, uma técnica que une o rigor técnico à expressão artística, desenvolvido por Agrippina Vaganova no século 20, e que é a base da excelência do balé clássico russo.

    A disciplina elevada dos estudantes é sentida não só dentro das salas aula, mas pelos corredores da escola. Sempre de uniformes e com penteados impecáveis, os estudantes cumprimentam com um sorriso todas as pessoas com quem cruzam.

    Todos eles têm um armário para guardar seus materiais pessoais e, em alguns deles, aparece uma estrela de destaque, não necessariamente pelo desempenho técnico do aluno, mas também pelo comportamento. Negar entrevistas para jornalistas, por exemplo, certamente fará o estudante perder a condecoração.

    Sem exceção, os alunos têm o mesmo tom para falar sobre a escola. Invariavelmente, dizem o quanto a instituição mudou suas vidas para melhor. Como um espaço privado, sem fins lucrativos, que depende do apoio de doações, como as dos Amigos do Bolshoi, é compreensível que haja um incentivo à publicidade positiva.

    A Escola Bolshoi realiza audições anuais em todo o país, indo até comunidades e regiões de difícil acesso para encontrar jovens talentos, não necessariamente com experiência em dança. Hoje tem cerca de 200 estudantes em uma formação de oito anos, que passa pelo balé clássico, pelas danças folclóricas, até às aulas de piano.

    Fonte: Folha de São Paulo

    Patricia Larentis

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