Ítalo Ferreira em ação nas Olimpíadas de Tóquio

“Planeta Terra, cidade Tóquio. Como todas as metrópoles, Tóquio encontra-se hoje em desvantagem na luta contra um dos seus maiores inimigos: a poluição. Haverá um dia em que a terra, a água e o ar se tornarão letais para toda e qualquer forma de vida. Quem poderá interferir?”.

Essa era a narração que acompanhava a abertura de um dos seriados mais populares entre as audiências infantis durante a década de 1980. Debruçados em frente ao aparelho de televisão, assistíamos as aventuras de heróis como Spectreman e Ultraman. A cidade de Tóquio e o distante Japão eram conceitos incipientes, que iam se formando em meio a um caldeirão de referências culturais norte-americanas, como os gibis da Disney e os filmes de Hollywood.

Com os jogos olímpicos de 2020, o país oriental voltou a habitar a imaginação das crianças de antigamente. A escuridão das águas da praia de Tsurigasaki, onde foram realizadas as provas do surf, por um instante trouxe de volta um velho fantasma. Teria a poluição triunfado sobre o homem, como pressagiava o narrador do seriado “Spectreman”? Nada disso. Na verdade, a cor das águas era apenas resultado da presença de algas no mar. Galgando as ondas com destreza, o potiguar Ítalo Ferreira conquistou a primeira medalha de ouro para o Brasil.

De qualquer maneira, o homem, com a sua ânsia pelo progresso e a sua contumaz falta de respeito com a natureza, acabou produzindo, neste começo de segundo milênio, novas e terríveis aberrações. A pandemia do coronavírus vem ceifando milhões de vidas, tendo, inclusive, provocado o adiamento das Olimpíadas de Tóquio. Como resultado, temos acompanhado as provas nas diversas modalidades esportivas com as quadras, estádios e ginásios praticamente vazios.

Dentro desse cenário desolador, a figura da pequena Rayssa Leal surgiu como um bálsamo para a torcida brasileira. Ao amealhar a medalha de prata no skate, a menina-prodígio conquistou Tóquio com a ternura das crianças e a garra de um veterano, umedecendo os olhos do mais duro telespectador. Além de atletas conhecidos, como Mayra Aguiar e Thiago Braz, novos personagens, como Rebeca Andrade, Abner Teixeira e Alison dos Santos subiram nos pódios da capital japonesa, dando esperanças de futuras alegrias para o esporte verde e amarelo.

Surpreendente também foi a atitude da norte-americana Simone Biles. Aureolada como favorita na ginástica olímpica, Simone acabou desistindo de participar de várias provas. A pressão absurda que pesava sobre os seus ombros fez com que a jovem optasse por uma pausa. Nesse sentido, podemos dizer que Simone foi um legítimo exemplo de prudência e coragem.

E aqui chegamos a um ponto em que é preciso perguntar qual seria, afinal, o verdadeiro papel do esporte? Se para forjar um ídolo e um campeão é preciso extrair deste ser todas as suas energias, chegando ao ponto de destituí-lo da sua sanidade física e mental, talvez estejamos indo pelo caminho errado.

A mística da frase cunhada pelo Barão de Coubertin permanece intacta. Como bem disse o idealizador dos jogos olímpicos da era moderna, “o importante é competir”. Entretanto, existem nuances de teor inexpugnável entre o instante sublime da vitória e o ostracismo da derrota. Um mistério que tentamos em vão desvendar, buscando encontrar um sentido ou algum tipo de consolo no drama de uma queda.

Afinal, a urgência pelo sucesso não afeta apenas os esportistas. Em um mundo onde só a vitória redime, vivemos reféns de perdas e fracassos sistemáticos, e às vezes a tarefa de seguir adiante acaba se tornando um fardo pesado demais, ou até mesmo uma quimera.

Lembro que, nos seriados que eu assistia, o ápice de cada episódio era o momento em que surgiam os monstros. Emergindo do fundo do mar ou debaixo da terra, essas criaturas gigantes e bizarras capturavam a atenção, e, de uma certa forma, cativavam. O fato é que os monstros não eram (pelo menos na minha cabeça) propriamente vilões, e quando os heróis Spectreman ou Ultramen venciam a luta final restava um sentimento triste e belo.

Um sentimento que se repete cada vez que presenciamos o mórbido e cotidiano desfile dos magotes de perdedores, quer sejam eles atletas lutando pelas cores do seu país, quer sejam eles ilustres desconhecidos lutando pelo pão de cada dia.