Aos 27 anos, depois de trabalhar em comércio exterior desde antes de entrar na faculdade, Daniel Lopes, gaúcho de São Leopoldo, na Grande Porto Alegre, decidiu que queria mudar de vida, juntou as economias e partiu para a França. Foi estudar Wine Business na Borgonha. Pensava abrir uma importadora. No entanto, a vivência na Europa e a subida do câmbio do euro ligada ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff fizeram com que Daniel desistisse da ideia da importação de vinhos e seguisse por um caminho bem diferente. Sem nunca ter estudado enologia, decidiu produzir vinhos. Vinhos naturais como tinha visto serem produzidos na França. Assim nasceu o projeto da Vinhas do Tempo.

Hoje, quatro anos depois, seus vinhos são cult e estão nas cartas de alguns dos restaurantes mais badalados (e caros) do país, como o Lasai, no Rio de Janeiro, e o Evvai, em São Paulo.

“Não tenho uma história romântica para contar”, diz Daniel. “Não sou a quarta geração de produtores de vinho. Meu pai até é de Garibaldi, na Serra Gaúcha, e um tio dele plantava uva. Mas pára por aí. Isso se perdeu completamente na família. Meu pai gostava de vinho, como consumidor. Sempre me levava visitar vinícolas desde piá. Para ser sincero, até os 20 e poucos anos, eu achava isso um saco. Coisa de velho. Ficar sentado numa mesa cheirando uma taça. Eu só bebia cerveja. ”

A virada da cerveja para o vinho aconteceu numa viagem a trabalho à Itália. Experimentou um amarone (vinho bastante caro da região de Valpolicella) durante um jantar de negócios. “Eu tomei uma taça e pensei: ‘Isso é bom, quero mais!,’” conta Daniel. “A partir daí, comecei a me interessar. E meu pai, que ficou feliz por encontrar um companheiro para beber com ele, foi me incentivando. Quando ia abrir uma garrafa mais especial, me chamava. Até me pagou um curso de vinhos do WSET. Foi aí que resolvi ir para a França estudar negócios do vinho”.

Por lá, além de estudar business, arrumou amigos vinhateiros e se enfronhou no dia-a-dia de suas vinícolas. Na volta, já desencorajado da ideia da importadora, Daniel começou a estruturar seu projeto de produzir vinhos. Isso era 2016. Como tinha pouco capital e pouco conhecimento, foi trabalhar na vinícola de um amigo, o lendário Vilmar Bettú, de Garibaldi. Era o ideal porque Bettú trabalha com várias microvinificações de castas diferentes de uma só vez, de forma bastante artesanal. “O Bettú foi de uma generosidade incrível”, diz. “Me recebeu de braços abertos e me ensinou muito. Mas eu tinha visto coisas na França que queria colocar em prática e que não condiziam com a filosofia dele de trabalho.”

Daniel queria fazer vinhos naturais, os tais vinhos com a mínima manipulação possível, com leveduras selvagem, fermentação espontânea, sem filtragem ou clarificação. “Tudo isso o Bettú aceitava”, conta. “Ele mesmo nem sempre usa leveduras selecionadas. O problema foi quando eu quis fazer um pinot noir de tanque aberto. Isso é um risco, porque, se algo dá errado, pode contaminar todos os vinhos da vinícola”. Em parceria com o amigo, chegou a produzir o seu primeiro pet nat (In Vitro), espumante natural feito pelo método ancestral, e um pinot noir de tanque fechado. “Mas queria fazer um pinot noir do meu jeito”, conta. “Com cacho inteiro e tanque aberto. Ai ele me chamou e me disse que eu precisava de um espaço meu, senão nunca conseguiria fazer o que queria. Concordei.”

Com a ajuda do amigo que emprestou tanques, Daniel levou seu projeto para a cozinha da casa vazia dos avós (que tinham falecido) em São Leopoldo. Comprou uvas e começou a produzir na cidade mesmo. “Eu investi menos que R$ 15 mil nisso”, conta. “O Bettú me emprestou algumas coisas, comprei outras, comprei as uvas, as garrafas, paguei frete, fiz rótulos…”

Embora o que os defina seja a mínima intervenção do produtor no processo de transformação da uva em uma bebida alcoólica, os vinhos naturais não se fazem sozinhos. Para que nada se azede, é preciso que o vinhateiro esteja de olho o tempo inteiro, pronto para fazer a tal da mínima intervenção nos momentos exatos. O trabalho não é pequeno, mas Daniel e o pai, Júlio César, deram conta. “Meu pai adora. É uma terapia”.

Na sua primeira safra, que foi a de 2017, Daniel fez 800 garrafas, 400 do tal pinot noir de tanque aberto e 400 de pet nat. E saiu vendendo, por R$ 90, para amigos e amigos de amigos. Causou tal impacto nos círculos do vinho natural que não demorou a esgotar. Na mesma época, o pai, que já era aposentado, estava procurando uma casa de campo para comprar em Garibaldi. Então, os dois acabaram comprando um sítio juntos. Não em Garibaldi, porque a terra estava muito cara, mas em outra cidade da Serra Gaúcha também com forte tradição na produção de vinhos, Monte Belo do Sul. Reformaram o porão da casa e o projeto foi transferido para lá.

Na safra 2018, Daniel produziu 1.200 garrafas, que esgotaram em menos de dois meses. Em 2019, foram 2.500, que também foram embora em dois meses. Daniel decidiu, então, abrir a empresa. “Se contarmos desde o início, acho que investi R$ 250 mil no projeto”, diz. “Mas boa parte foi reinvestimento, dinheiro que eu ganhava vendendo o vinho.” Em 2020, a produção chegou a 5 mil garrafas.

Nesse meio tempo, fez outros rótulos de vinho tranquilo e outros pet nats. Seus vinhos ficaram bastante conhecidos e acabaram nas mesas mais chiques do país. O espumante Petulante Natural Macerado, por exemplo, foi incluído no criativo menu degustação harmonizado do Evvai, restaurante de São Paulo, com uma estrela no Guia Michelin Brasil. Entra como acompanhamento dos snacks. Como é bastante versátil, faz par com cinco snacks diferentes que abrem o menu, como as ostras com limão-caviar, goiaba e puxuri, também conhecido como a noz moscada brasileira. “O fato de ser um pequeno produtor, bastante exclusivo, é muito valorizado nesses restaurantes”, diz Daniel.

Os planos para o futuro incluem implantar um vinhedo na propriedade da família, comprar equipamentos como prensa e tanque com controle de temperatura (nem todo produtor de vinho natural aceita isso, mas Daniel, sim), implantar um receptivo para turistas e aumentar gradativamente a produção para 10 mil garrafas ao ano. “Eu não quero crescer demais”, diz Daniel. “Quero manter a ideia de produto artesanal. Hoje cada garrafa passa pela minha mão e quero que continue assim. Mas, além disso, eu vendo, faço relacionamento com cliente, respondo mensagem nas redes sociais, levo na transportadora… Vou precisar contratar alguma ajuda.” E quer crescer a venda para restaurantes. “Claro que vou continuar atendendo o cliente do Instagram que já é fiel. Mas quero crescer a proporção de venda para PJ. Isso diminui muito a operação logística. Preciso pensar na sobrevivência do negócio.”

Petulante Natural Macerado 2019
As safras 2019, dos vinhos tranquilos, e 2020 dos espumante da Vinhas do Tempo devem estar prontas em breve, respectivamente, na primavera e no verão. No momento, no entanto, a vinícola está sem nenhuma garrafa para vender. É possível prová-lo no Evvai, junto ao menu degustação harmonizado (R$ 419) ou com um prato a la carte. A taça sai por R$ 67 e a garrafa, por R$ 271. Produzido com 100% de uvas chardonnay de Encruzilhada do Sul, na Serra do Sudeste, ele é um branco que ficou um tempo em contato com as cascas. Por isso seu tom amarelo forte. É turvo porque não foi filtrado e, porque no método ancestral as borras permanecem na garrafa. Isso dá uma maior complexidade de aromas Apesar de ser espumante, tome devagar. Ainda que as bolhas escapem e a temperatura suba. Os aromas de fruta e panificação vão se abrir. É um espumante muito diferente daquilo com que as pessoas estão acostumadas, tem aquela leve sapidez característica dos vinhos naturais. É preciso dar tempo ao tempo para entendê-lo e apreciá-lo.

Fonte: Exame / Foto: Reprodução Internet

Daniel Lopes